ainda não estava chovendo
mas era definitivamente uma calorosa noite de março
onde meu corpo padecendo
rogava pela miragem do seu rosto para sentir-se vivo
o céu, em brotoejas, ainda escurecendo
e minha voz interior ressoando
a medida que os faróis dos carros cansados
iluminavam confusa avenida
casualmente a sua silhueta misturava-se ao breu de sombras
minha vista sofrida, turva, desesperada pra te reconhecer
suas mãos eram frias, sempre frias e teus lábios secos
meus olhos vesgos
caminhamos, afastados por sua insegurança
a música eufórica brotando dos botecos
que uníssonas coloriam minha excitação
e esquecendo-se completamente dos meus medos intrínsecos
entrego-te minhas mãos, mas genuinamente você as nega
imediatamente perco-me na minha iminente vulnerabilidade
antes escondida pelos becos da minha vila interna
e sinto-me incompreendido, vagando pela ruas da cidade
ensurdecedores ecos e horizontes opacos
embora próximos, tão distantes, embora parecidos tão diferentes
Dividindo a mesma via, mas ligados nem mesmo pela direção
separados nas convicções, fracos e flagelados
e sendo assim amparo-me em antigos ditados
tento ao relento segurar as cordas
e agarrar-me numa justificativa
de manter-te preso aos meus braços
mas não temos vínculos
e lentamente tua imagem transforma-se em resquícios
e percebo-te escorrendo rapidamente pelas minhas mãos
não há mais paixão em seus olhos
e todos os meus esforços são na verdade desperdícios
afastando-se lentamente
cada vez mais longe, cada vez mais longe
afastando-se do ninho de amor que construímos
corro, tentando inutilmente te alcançar
prossigo insistindo, ansiando
mas reticente, você se quer me abraça
sim, esta é uma luta perdida, causa vencida
displicente, você não me corresponde
sempre que consigo me aproximar
com minhas delicadas mãos te tocar
mas você é tão indiferente, tão resistente
do céu caíram por fim gotas intensas
e inundaram minha sutil inocência
lavando minha face rubra de giz
revelando minha fragilidade
que apesar da idade, é imensa
tempestade tempestuosa
águas de março, já cantava Elis
E no meio do dilúvio de incertezas vejo-me sozinho
será se estou aqui, assim por que quis?
tentando remar em direção à superfície, para sentir-me seguro
como sentia-me antes em teus braços
teus olhos castanhos castanhos como o céu do crepúsculo
meus olhos azuis como o céu da manhã
agora não passam de uma pintura pedida de Monet
de uma situação desprovida de escrúpulo
minhas mãos sempre quentes
e as tuas sempre frias
e o palpável desejo do pronome você
lembranças vagas
e no fim termino inundando lençóis
recordando-me do que poderia ter acontecido
mas não aconteceu
terríveis manhãs de abril
fragmentos trocados
trechos esquecidos
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Os Versos de Outono
PoetryAo rugir dos ventos vindos do norte borbulhei palavras que levadas pelas correntes de ar tornaram-se versos...