ensaio para uma possível encenação

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a verdade alaranjada no fim da tarde de outono

Disseram-me que não compenso os esforços
Que não valho os dobrados
Que não corto os recortes
Que fui construída de reforços
Falaram-me que não os importo
Que tenho os braços cortados
E sobre eles carrego sempre os fardos rasgados
Cantaram-me sobre os olhos cerrados
em nós enrolados
contos perdidos dos dias passados
Cantaram-me sempre emaranhados
e já traumática escolho os repousos
Me deito em repolhos
encolho-me e faço deles esmeros vindouros

a confirmação espairecida na lua esclarecida

Se a lua pudesse me refletir,
seria feita de opiniões?
Se o luar pudesse me iluminar, seria descoberta como um ser imaginado pelo o que de mim imaginam?

Sou criatura errante
Em miragem obstante
Tão inebriante
Aguardo um instante
Angustiante
E no holofote inesperado revelo-me
Distante

Cena de encerramento e um breve epílogo também

Reparto-me e num parto, existo
Refiz em mim cada simples pedaço que anteriormente pela carnaúba esculpido foi
Divido-me tentando pra todos me entregar e ainda sim, falta a quem dar-me
Agrado-vos e em troca recebo duras palavras, sou puta perdida
De Salomé fui nomeada
E Jezabel é meu apelido
As masmorras se fecham para mim
E todas as minhas bastilhas foram derrubadas
A torre em laço
As tranças cortadas
Babilônia é minha morada
E frígida frívola sou declamada
Pra mim não trazem buquês e sim tapas na cara
Com Deus me deito,
com Deus me levanto
Elza e Maysa
E sou assim pela vida levada
tábula rasa em dor transformada
Jamais relevada, uma fava quebrada

o vento no mato
o mato na tela

a tela na mão
a mão no braço
o braço no corpo
o corpo colado a cabeça
a cabeça na brisa
a brisa da manhã
da manhã entristecida
entristecida de resquícios
resquícios só que não foi
o ir que ficou
e o vento soprando
levando pra longe
o que outrora se fez presente
E com as lufadas dançava
cantava
e era, enfim

Calisto rogou aos deuses
e eles não lhe ouviram
Calisto jogada sobre os escombros rasgou suas vestes
E eles lhe apedrejaram
Medusa esculhambou os descasos
E por consequência, deformou-se
Medusa poupou os escassos
E por pura indecência, extingue-se
Delas me compadeço e nelas me vejo
Outono, o triste anúncio para os dias frios da temporada de inverno
Mesmo que sozinha pelos trilhos vagando eu seja amordaçada
Contida em plínias e plúmbeas penugens
Torno-me meu corpo resistência
E nele me agarro
E dele me amarro

Os Versos de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora