ritus

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Em véus de sombra e prata, a noite desce,
Desvela-se tardio o altar em místico enredo;
Tensas mãos, em clausuras de medo, No cálice de luz que a lua tece.

Ó ser que em teu delírio se oferece,
Na ânsia voraz de um íntimo degredo, Entre carmim e pálpebras de cedo,
A própria essência, trêmula, fenece.

Um espectro de estrelas em teu manto, Espectra, dobra a espinha, suga o pranto
De um eu que a outro eu, voraz, dilacera.

E no alto de sombras, lumia-as desgraça,
A boca morde a carne que trespassa, Em gozo oculto, onde a alma se encerra.

Sob a luz, nua noturna, o rito arcano Amarrotando-me, em murmúrios de crua loucura,
Onde o cerne da carne devoto se assegura,
Na imortal voragem do próprio dano.

Ébrio entre os reflexos de um insano
Gozo, soluça a noite, pura e escura,
Porque ao devorar-se, em sombra e ternura,
Selou-se, em fogo etéreo, o desumano.

Assim caminha o tempo, em vão espanto,
E os ritos, ao seu espelho: santos e cantos
Devorar-me-ei no altar do próprio fado.

Eis o mistério eterno e consumido:
Do eu que outro eu, em fome, tem vencido,
Numa ode ao que dentro é devorado; aculturado.

Os Versos de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora