a nua rendição da noite

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Enternecida, também fragilizada e crua também é a noite

assim como também és tu, mesmo que corram os rios

e olhas-me, digo-te: pequena menina, perdoa-te

verás que teus olhos não são mais vazios

e rio navios, entre plumas e farpas do que antes foi-te

surge de outrora, encalhado e temido, um grito bravio

e deixas-a o ir, pois ter ido é tudo que fizeram-te ontem

e vês que teu corpo rasgado, em pedaços partido

caído sobre a montanha de roupas na cama agoniza

sofrendo rumores perdidos aquilo que querias ter sido 

e choras, tens as mãos sobre si mesma, de ti és abrigo

abrigo-casulo e mesmo assim é teu rosto abatido

pequena-menina, niña sozinha, tens o mundo entendido

e por isso, em noites como esta é o que tens querido:

um bocado de amor, e resfolgas como éguas vencidas

rendidas abandonadas, são também tuas luas

claras miragens e percorrem os olhos, és dividido

são liras vindas, e desafinadas listas lidas

os cantos, retorcidos, envolvem-te e os reprimo

vejo-te a escancarar sorrisos: a quem os tens devido?

ecoam paredes e nelas as lagrimas, todas vividas

vejo-te a engolir os mesmos sorrisos: lábio escondido

entre os dedos: unhas, nas unhas lúnulas

e penso-te suavemente: que tens ela sentido?

pequena menina, terrivelmente retraída, 

recolhendo-se em tortas linhas, choras encolhida

e penso-te ternamente: quantas estrelas terá ela comido?

crês que não entendo-te, mas valho-me de especular

"és assim tão frágil na nua rendição da noite?" pensas comigo

olhos assustados, tênues amargurados e lábios escondidos

tens nos dedos as falanges marcadas, de tão dobradas

pequena menina, abrindo-se e digo-te, perdoa-te absurda

que a flores te acudam e em teus olhos amanheçam

pois a manhã já não tarda, e se é o outono,

 somos também, entre vagas as horas: ruas caladas




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