Capítulo 26-Monstros

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Não havia mais nada. Nenhum som que preenchia o quarto escuro e abafado. Seus corpos já não envolviam o ambiente com luxúria e calor. Apenas eu, debaixo de uma cama velha e um assoalho manchado e pobre, como todos que viviam por aqui. Não encontrava forças para nada se não chorar. O desespeiro afogou-me como um tsunami, sem escapatória ou sobreviventes. Eu estava condenada. Como uma prisioneira que via de fato que nunca conheceria mais nada além das quatro paredes de sua cela.

As lágrimas inundavam meus cílios e corriam pela pele da minha bochecha até que repousassem contra a madeira do piso. Meu nariz parecia irritado com o tanto de poeira presente no local e a umidade parecia agravar meu estado pálido e sem vida. A escuridão tomada pelo ambiente se agravava a cada segundo, como um cegueira avançada. Meu peito se apertou ao pensar que nunca mais veria meus pais. Não! Eu não poderia derrubar a barreira fortificada que se estabelecia em volta das paredes do meu coração, mas era quase inevitável.

Funguei e me entreguei ao estado de calamidade presente. Deixei que meu corpo chafundasse. Que o peso de suas palavras me coroesse até que sobrasse apenas os ossos. Meus olhos estavam quase como feixes de luz, pequenos e sem escapatória, quando uma memória apareceu, parecendo desgrudar do fundo do esquecimento onde se encontrava.

Era eu criança, risonha, escondida debaixo de uma cama em um ambiente totalmente diferente, quase como o sentimento de estar em casa. No entanto, havia uma presença que pairava sobre mim, suas mãos tateando cegamente o piso embaixo da cama a procura de algo ou alguém. Houve uma pausa e meu coração se estremeceu quando olhos glaciais encontraram os meus e para minha surpresa, o órgão pulsando em meu peito aqueceu. Um grito e um par de mãos ásperas depois, Christopher me embalava em seus braços e beijava o topo de minha cabeça.

-Papai, você me encontrou!-Seu rosto me encarou sério mas o sorriso caloroso em seus lábios havia o denunciado.

-Eu nunca vou te perder, querida...

Não saberia o que desencadeara a memória, se não, pela presença obscura e enorme que preenchia agora o quarto. O frio retomou e se empregnou como uma segunda pele, quando olhos predatórios cruzaram a escuridão. Seu braço estendeu como se buscasse algo, mas então pararam antes de me tocar. O silêncio permanecia entre nós e a única fonte de calor capaz de me aquecer me oferecia seus braços. Engoli em seco, mas não tinha a possibilidade de lutar contra isso, então quando repousei minha palma contra a sua mão, me entreguei a ele, como chapeuzinho se entregaria para seu lobo-mau.

Christopher pegou-me rapidamente pelos braços e  içou-me contra seu peitoral duro. Seus dedos calejados esfregavam e limpavam as lágrimas que deixei cair. E quando me encontrei quase cega por olhos frios, não estava presente nada além de devoção, amor e escuridão encapusada.

-Querida, você está fria e quase nua...-apontou desgostoso enquanto arrumava os longos fios ruivos rebeldes que tomavam seus braços em longas curtinas até que repousassem ao chão-Você sabe como eu odeio ver você chorar...-um soluço involuntário escapou de meus lábios-Shiuu! O papai está aqui agora!-tentou acalmar-me e mesmo que parecesse impossível com toda sua estrutura aterrorizante, senti os músculos do meu corpo obedecerem ao comando de sua voz-Você está segura em meus braços-uma dor apertava frequentemente meu coração enquanto seus dedos tornavam e limpar meu rosto vazando com tanto cuidado quanto se teria com um recém nascido-Aposto que um banho quente...-sua voz era profunda e suave-fará com que se sinta melhor. Depois, você pode comer o tanto de sorvete que quiser e ouvir sua história favorita quantas vezes você puder aguentar...

Minha voz parecia quebrada até para meus ouvidos enquanto saia pela minha garganta-Eu nunca mais vou voltar para minha casa?-suspirei e mesmo que o silêncio após a pergunta fosse insurdecedor, levantei uma de minhas mãos e toquei seu rosto áspero e bonito, forjado por gelo e fogo, em uma carícia lenta. Suas pupilas se dilataram e mesmo que não ouvesse nada se não o pratear da lua banhando o quarto, conseguia visualizar a promessa oculta em seus olhos: até que vivesse, eu nunca estaria livre novamente.

De volta à CabanaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora