"...castanhos quentes e profundos..."

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Twitter: ISBB5H

Narração: Lauren 

                                 Miami Beach – 09:47 – Em algum lugar no mar

A luz do Sol criava feixes retangulares que cintilavam e reluziam através da água e com meus braços e pernas eu tentava me agarrar a eles a todo e qualquer custo, como se fossem barras de ferro e minúsculas bolhas de ar circulavam cada centímetro do meu corpo, como se me decorassem em um quadro de moldura azul e infinita. O frio do oceano, antes intolerável, era agora apenas uma lembrança vaga e eu me perguntava nesse instante sobre o silêncio que não surgia nunca. O som que me invadia os ouvidos era alto, torturante e vazio, tudo ao mesmo tempo. Seco, era a essa a palavra. Mas podia um som ser seco? Ser vazio?

Pisquei sentindo uma ardência descomunal em meus olhos e então considerei a possibilidade de fechá-los por um instante. "Apenas por um instante." Murmurei a promessa abrindo meus lábios levemente enquanto fechava os olhos e engoli uma quantidade incalculável de água. A ironia é que naquele momento quem me engolia era o próprio o mar e não o contrário. Até aquele momento não havia pânico, apenas compreensão.

Ponderei, em milésimos de segundos intermináveis, o tamanho do esforço necessário para tornar a abrir meus olhos e cumprir minha promessa, mas o raciocínio me fugiu urgente quando senti cada parte do meu corpo ser internamente consumida por chamas de fogo vivo que queimavam todo o tecido muscular abaixo da minha pele.

Somente aí o pavor pareceu me encontrar novamente, mas era tarde. Ou parecia tarde. Minhas pernas, braços e cabeça se contorciam violentamente e traída pela minha própria mente eu me esqueci do que buscava. Ar? Isso. Ar! Forcei meus olhos a se abrirem, em vão, pois a escuridão total me tomou por completo. No vazio negro eu ainda pensava em um desespero silencioso "Eu ainda estou aqui. Eu ainda estou viva."

~. ~

Miami Beach – 10:12 - Praia

Presa na completa escuridão senti uma pequena pontada de dor no lado esquerdo do meu corpo, e ainda que nesse momento não conseguisse identificar o local exato da origem dessa dor forcei minha mente a continuar trabalhando, a continuar funcionando, garantindo-me de alguma forma que eu ainda habitava meu próprio corpo, o corpo que eu já não conseguia controlar, e então a mesma dor de instantes atrás surgiu, mas agora na porção direita do meu tronco, rasgando-me em algum lugar entre o ombro e a cintura.

Meu peito pareceu se encher de água uma vez mais, mas a sensação foi ainda pior. Era como se eu estivesse aspirando lâminas afiadas a cada nova arfada.

De alguma maneira eu me mantive ansiosa pela chegada do silêncio e ele parecia me escapar cada vez mais por entre dos dedos, pois um incômodo zumbido me invadiu os ouvidos despertando uma nova onda de desejo de reabrir meus olhos. A cada instante o zumbido aumentava e tornava-se menos e menos incômodo. Era ritmado. Pensado. Era um murmurar. Um canto, talvez. Uma melodia calmante e definitivamente melhor do que o silêncio.

Senti meus lábios serem afastados e então a pior dor que já senti chegou inesperadamente. Algo pesado como um martelo e cortante como um machado se chocou contra o meu peito uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Meus lábios foram novamente afastados e uma nova sessão de tortura se iniciou em meu peito. Minha vontade era de gritar, usar meus braços para impedir os toques violentos e sair correndo, mas meu corpo ainda não estava sob meu controle.

Quando, pela terceira vez, senti meus lábios serem afastados fui inundada por uma sensação imediata de conforto e um leve calor serpenteou dos meus lábios até minhas bochechas, mas eu sabia o que viria a seguir. A dor, uma, duas, três, quatro e cinco vezes mais. Cada vez pior e cada vez mais forte.

Guarda VidasWhere stories live. Discover now