"...com o tempo..."

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Twitter: ISBB5H


Narração: Camila

Miami – Consultório 03 – 09:40

O lápis de ponta fina permanecia imóvel entre seus dedos. O grafite, intocado, apontado para a folha de papel ainda em branco. Atrás do bloco de notas descansava a mão livre, a palma virada para cima e o dorso apoiado sobre o colo. Ombros baixos, relaxados e o rosto levemente inclinado para a direita. Sua expressão era suave, os olhos calmos e atentos. E o incômodo frente à sua paciência crescia me aborrecendo.

Troquei de posição e cruzei as pernas em cima da poltrona sem me importar se meus tênis sujariam o estofado claro.

O grande relógio na parede denunciava o avanço do horário. Pouco mais de quarenta minutos passados desde a minha chegada e o meu silêncio perdurava. Meu peito estava cheio. A garganta travada, farta, engasgada com tanto para ser dito. Tanto que queria me escapar. Tanto que eu não sabia traduzir em palavras. Troquei novamente de posição, voltando meus pés para o chão, de onde eles nunca deveriam ter saído. A postura anterior não era adequada.

Limpei a garganta tentando aplacar a sensação de desconforto e esperei pelo movimento do lápis. Mas ele nunca aconteceu. Permaneceu imóvel. Ela sabia que eu não diria nada. E desde quando eu era assim tão previsível?

Olhei para porta sem me conter, pensava em ir embora e quando a flagrei interpretando minhas intenções fingi admirar o quadro pendurado muito perto dali. Era uma pintura abstrata. Me envergonhei por não conseguir dar nenhum sentido lógico a imagem e corei pela ignorância. Novamente desconfortável, troquei de posição. Trouxe as pernas de volta para o assento.

– Camila. – Sua voz trouxe conteúdo ao vazio. Nos fitamos com intensidade antes que ela sorrisse terna. – Receio ter sido esse o nosso tempo de hoje.

– J-já acabamos? – Assentiu. – Mas...

– Temos um encontro marcado para a próxima semana, não temos? Nesse mesmo horário.

– Sim. – Pus as mãos dentro dos bolsos traseiros assim que fiquei de pé.

– Excelente. Assim será. – Caminhou até a porta, destrancando-a. Abriu em um convite mudo para que eu me retirasse. – Você precisa de alguma ajuda, querida? – Seu tom não era rude, muito pelo contrário. Demonstrava verdadeira preocupação com meu estado físico.

– Não, não se incomode. Estão esperando por mim do lado de fora.

– Oh, tudo bem. Vejo você na próxima semana, Camila. – Nos despedimos e foi assim. A porta se fechou deixando-me do lado de fora, na recepção, onde Normani me aguardava com expectativa. Deixou o celular de lado e foi rápida ao se aproximar. Me apoiei em um de seus braços e seguimos para fora do prédio.

Eu sabia da curiosidade de minha amiga. Sabia exatamente de suas vontades, intenções e o que estaria pensando neste mesmo instante, mas minha frustração não me deixava ser coerente. Tudo o que eu não precisava no momento era dizer à ela que bela porcaria minha sessão havia sido. Um fracasso total. Meus olhos se encheram d'água e assim ficaram durante todo o trajeto para casa. Felizmente Normani teria que voltar para mais um turno de trabalho, o que me daria total privacidade dentro de casa. Abrimos as portas, subimos as escadas e passamos pela sala e corredor. Fui para o quarto assim que pude, trancando a fechadura e me ajeitei sobre a cama me encolhendo com o máximo de cuidado para não despertar a dor e somente então me permiti desmoronar.

O choro era alto, agitado. Me sentia uma criança desamparada.

Todo o meu corpo despedaçava-se em decepção. – Mila? – Normani chamou do outro lado. – Vai ficar tudo bem, gata. Eu acredito em você. Vai ficar tudo bem. Vai melhorar com o tempo. – Sua voz foi ficando mais baixa, tão baixa que não previ o instante em que adormeci.

Guarda VidasWhere stories live. Discover now