O Espelho

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Eu não sabia o que fazer com todas as tralhas que minha tia Mirtes guardava em casa. Ela morreu a uma semana e era a única parente viva que eu tinha. Já fazia tempo que não a via, por culpa da universidade e porque tia Mirtes era um tanto excêntrica. Quando eu era pequeno, ela costumava dizer que tinha sido uma grande bruxa da época da Inquisição e que havia aprendido com um grande mago da época. Na adolescência, eu costumava dizer que ela era aprendiz do Merlin e como ele não aguentou suas loucuras a mandou para o futuro e tia Mirtes retrucava que Merlin morava na Inglaterra e que, talvez, ela tivesse feito uma viagem ao passado de verdade. É claro que nunca acreditei em nada disso, apesar dela parecer convincente às vezes. Quando meu pai morreu, por volta dos meus 17 anos, num acidente de carro, me afastei um pouco dela, pois os dois eram muito apegados. Infelizmente, ano passado, mamãe também faleceu, cinco anos após a morte de meu pai. Os médicos diziam que era câncer, mas eu sempre achei que ela sofria de coração partido. Ela e meu pai se amaram de uma forma que já não se vê nesse mundo, enfrentavam tudo juntos e o amor que um sentia pelo outro, sempre estava à frente de tudo.

- Dr. Alfonso. - Jose, a empregada de Tia Mirtes, me chamou atenção. Era uma mulher de meia idade, de aparência um pouco sofrida e de características latinas fortes. Ela costumava chamar todos que tinham algum tipo de curso superior de Doutor e Doutora - Eu poderia levar as flores de dona Mirtes para minha casa? Ela tinha um carinho tão grande por elas... E eu cuidaria muito bem de cada uma. - Disse arrumando um ramo de flores que trazia nas mãos. Tia Mirtes tinha praticamente um jardim no quintal, que estava coberto de jarros.

- Pode sim, Jose. Tenho certeza, que seja lá onde estiver, ficara feliz de saber que você irá cuidar das flores que ela deixou.

- Eu vou sentir falta dela... - seus olhos entristeceram e se umidificaram. - Nunca vou esquecer o dia que a encontrei. - Foi Jose quem encontrou minha tia, já falecida, no porão da casa. De acordo com os médicos, após um ataque do coração.

- Eu sei que não, mas tente não pensar nisso... - pedi tentando não a olhar, pois sua expressão me doía mais que a própria morte de minha tia.

- Tentarei Dr. Alfonso. - Ela disse e saiu choramingando em direção ao jardim.

A verdade é que eu não gostava de ver ninguém chorando, principalmente mulheres. Talvez por culpa de minha mãe. Desde quando eu era pequeno, mamãe dizia "Nunca deixe uma mulher sofrer por sua causa" e meu pai complementava "As mulheres são seres muito especiais, que Deus fez para dar aos homens, o privilégio de conviver e amar um ser sublime". Uma risada nostálgica me escapou com a lembrança. Acho que meus pais me tornaram um homem a moda antiga. Alguém ainda respeita as mulheres assim? Elas ainda gostam de homens do tipo "cavalheiro"?

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Eu e Jose já tínhamos revisado a casa quase toda, boa parte das coisas iriam para uma instituição de caridade. Agora eu estava revisando o porão, que parecia ter mais coisa que a própria casa, sem falar no tanto de coisas estranhas.... Inclusive um espelho grande que achei coberto com um cobertor, era azul e com algumas formas talhadas na moldura, que denunciavam que aquele espelho era bem antigo. Por algum motivo, ele me intrigou. Por que tia Mirtes guardaria um espelho velho, no porão e coberto por um lençol? Não parece ter sentido. Fiquei observando-o por alguns segundos, mas não encontrei nada que respondesse minha pergunta.

- Dr. Alfonso, quer aproveitar que o caminhão da instituição está aqui para mandar esse espelho? - Jose perguntou, me despertando dos meus próprios pensamentos.

- Não...! - Respondi rápido, automaticamente, surpreendendo até eu mesmo. - Não, este espelho vai ficar. - Respondi recomposto.

- Vai ficar com ele? - Perguntou curiosa.

Sor Maria - O Espelho I (Sem Revisão)Where stories live. Discover now