Capítulo 31 - Você queria que eu te beijasse?

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Fuzilo a parte de traz da cabeça de Olga com meus olhos enquanto dirigimos em direção ao cinema. Sebastian é o motorista, o que significa que Noah e eu sentamos no banco de trás. Eu não tenho nem coragem para virar meu pescoço, mas pela forma como ele mantém seu olhar para fora da janela, sei que também está se sentindo envergonhado. A total ausência de palavras também é um forte indicativo disso.

Sinceramente, às vezes tenho dúvidas se o que há dentro da cabeça de Olga é mesmo um cérebro. Talvez seja apenas uma máquina cruel que não se importa em fazer os outros passar vergonha; mesmo se esse outro alguém seja sua melhor amiga. Ou talvez ela apenas não tenha vergonha de nada e ache que todo mundo é como ela.

Há pouco mais de dez minutos, quando Olga e Sebastian pararam de tentar engolir um ao outro, ela olhou para mim e deu uma piscadinha, com o orgulho de quem acabou de vencer uma parte da aposta. Eu estava pronta para dar meia volta e ir para casa, mas estava mortificada demais. Meu rosto estava vermelho e um calor absurdo tomou conta de mim. Por isso, quando ela me arrastou para o carro, nem mesmo passou por minha cabeça a possibilidade de mandá-la se ferrar e dizer que não iria mais.

Fico imaginando porque Noah não desistiu de vir.

A eternidade que passamos na fila para comprar os ingressos para o filme também foi torturante. Havia muitas opções para se escolher: dois filmes de comédia que pelo visto não tinham nada de engraçado, um terror cheio de massacre e sangue, um suspense policial, e um romance que prometia fazer todos chorarem.

Escolhemos o suspense, e essa foi a única vez em que abrimos nossas bocas para dizer qualquer coisa. A parte mais estranha de tudo isso não era o silêncio constrangedor, mas sim que Olga começava agora a ter outra expressão em seu rosto. Vez ou outra, ela olhava para Sebastian e o analisava por longos segundos, e então virava seu rosto antes que ele percebesse. E eu sabia muito bem o que aquilo significava...

Sabia muito bem porque eu estava fazendo a mesma coisa quando Noah não estava olhando. Eu queria conversar, dizer alguma coisa, qualquer coisa sequer, mas não tinha coragem. E ele parecia imerso demais em seus pensamentos para perceber minha angustia.

Decido me focar no que está passando na tela à minha frente. O mocinho do filme está correndo desesperadamente porque a mocinha está dentro de um prédio para o qual seu pior inimigo está indo. Ele precisa chegar antes e salvá-la. Os dois aparentemente se odeiam, conforme manda o cliché, mas fica muito claro pela maneira como se preocupam um com o outro que não há nada de ódio ali.

Começo a ficar um tanto agoniada quando todos os acontecimentos indicam que ele não chegará a tempo. Ele começa a pensar em todas as chances que teve para dizer a ela como se sentia, e não o fez; lembra-se de todos os anos que trabalham juntos, que convivem lado a lado, e como fora idiota por ter desperdiçado momentos que poderia ter ficado com ela, caso tivesse tomado a iniciativa de dizer como se sente.

Maldito filme.

O policial chega ao prédio e encontra ali embaixo o carro da última pessoa que gostaria de ver, indicando que o bandido já estava lá dentro. Mais freneticamente que antes, ele continua a implorar a seu celular para que sua ligação seja atendida, enquanto corre pelas escadas. Ele começa a ofegar ansiosamente e o medo é visível em seu rosto. E então ela atende o telefone, e por alguns instantes tudo o que ele consegue ouvir é um choro abafado.

– Serena – Noah sussurra ao meu lado. Eu nem mesmo lembrava que ele estava ali.

Só então me dou conta de que estou apertando sua mão com toda minha força. Por algum motivo, nossos dedos estão entrelaçados e, uma vez que seu braço está embaixo do meu sobre o descanso da poltrona, tudo indica que fui eu quem busquei por seu toque.

Quando você foi emboraWhere stories live. Discover now