Prólogo

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MARCUS

Mais cartas.

No momento em que me levanto da cama desconfortável – Velha demais, e já consertada muitas vezes. – vejo os papéis com o carimbo do palácio. Uma nuvem redonda e vermelha com o símbolo do Reino destacado no centro, um botão de rosa.

Essas cobranças já eram quase comuns, as cartas estavam em minha mesa quase todos os dias. Estava para nascer homem que cobrasse mais que o nosso novo rei.

Há um tempo atrás fiz uma dívida com o rei George, ele era um amigo muito distante e me emprestou a quantia, ele era um rei bom e generoso. Mas quanto mais tempo se passava, mais dívidas eu fazia e mais difícil era pagar aquele empréstimo. Ele não me cobrava, mas eu ainda iria pagar, era minha intenção, pelo menos. Então, ele morreu, em um trágico acidente de carro, e seu filho, Gregory, que assumiu o palácio e agora é rei, começou a cobrar todos que deviam ao Reino, inclusive eu. Ou principalmente eu. Por vezes ponderei se o garoto tinha alguma raiva especial comigo, por ele ser sempre tão mesquinho, desde pequeno, e não gostava que o pai emprestasse dinheiro ou oferecesse alguma ajuda aos mais pobres. Mesmo que distante, George e eu tínhamos algum leve contato e nos víamos vez ou outra, e o filho sempre estava presente para disparar as humilhações que o pai desagradava. Quando se tornou adolescente, porém, largou as palavras podres que dirigia á mim ou algum outro cidadão comum de lado, e sorria para nós como se tivesse mudado.

Bom, se mudou ou não, ainda era o ganancioso que sempre demonstrou ser e fazia questão de deixar claro que não se esquecera de nenhuma dívida e que não costumava ser paciente por muito tempo.

Nem abro as cartas, mal direciono o olhar para elas. Já sei do que se tratam. Cobranças e mais cobranças, talvez até mais ameaças. Da última vez havia uma bem explícita, com um prazo bem curto. Aquele garoto que agora reinava adorava sentir a sensação de fechar o cerco para alguém, disso eu sabia.

Vou até a cozinha meio cambaleante devido ao sono pesado que ainda tomava uma parte do meu cérebro; e não vejo Grace, minha esposa. O café não está pronto como de costume e a casa está silenciosa demais. O fogão a lenha está intocado e tudo parece quieto, quase abandonado. Nunca vi o casebre tão calmo desde que me casara com ela. Grace era sempre uma alma viva e vibrante desde os primeiros raios de sol até o seu sono pesado, nos fins da noite.

A encontro no sofá verde musgo, sentada, concentrada, como se algo realmente interessante estivesse acontecendo na parede descascada e velha do chalé.

– Grace? – Chamo. Ela não se move, nem parece me ouvir. – Grace? – Repito, dessa vez tocando seu ombro.

Ela se assusta de leve e parece acordar de seu transe.
– Você está bem? – Pergunto tocando suas costas. Ela suspira uma vez e assente, mas já sinto no ar que alguma coisa estava errada.

– Marcus, sente ali. – Ela pede apontando o sofá vermelho e empoleirado em frente ao que ela estava. Nenhum dos nossos móveis combinavam, todos foram doados ou achados largados pelas ruelas. Dou a volta na mesa de madeira descascada, no centro da sala, e me sento um tanto preocupado, imaginando se ela teria lido a carta e houvesse algo terrível ali, pior que a última ameaça do rei.

– O que aconteceu?

Ela respira fundo, fecha os olhos, procura as palavras certas e, por fim, parece desistir da última tarefa.

– Eu estou grávida, Marcus. Grávida. – Como sempre, minha esposa é direta, até mais do que eu queria. Seu rosto está pálido, a voz trêmula. Por um segundo, todo o restante do mundo parece parar.

Floresta do SulWhere stories live. Discover now