Capítulo II

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Quanto mais o carro andava, mais minhas mãos suavam. Eu tentava arduamente seca-las e me controlar. No caminho de uma hora e meia eu tomei uma garrafa inteira de água.

Me concentrava nas árvores das florestas que rodeavam as estradas. Eram levemente avermelhadas, e em poucos meses a neve começaria a cair. Também havia o muro alto que protegia o Reino desde o Bombardeio, anos e anos atrás. Eu não sabia muito sobre isso, não era muito falado, as coisas que sabíamos eram básicas: estávamos em uma Nova Era, a maioria da tecnologia foi perdida no Bombardeio e agora restavam poucas coisas da época antiga, como celulares, carros, câmeras... Nosso Reino foi murado e dentro dele era seguro. Fora dali... apenas o terror existia. Era tudo que eu e a maioria das pessoas sabia.

Assim que as altas torres do castelo começaram a aparecer mergulhei a mão em uma vasilha de balas e comi desesperadamente como se aquilo fosse me ajudar em alguma coisa, apenas para me distrair.
E, bom, não ajudou muito.

O carro parou do lado de dentro dos portões do palácio. Estava assustada e trêmula demais, apenas para atravessar os portões meu coração batera como se estivesse à beira de um ataque. O guarda abriu a porta para mim e me estendeu a mão que aceitei depois de hesitar por alguns breves segundos. Se não tivesse o apoio de alguém para sair do carro, provavelmente não sairia.

Ele me conduziu em silêncio até uma escada de mármore, na qual subimos pouco apressados e pensativos. Ao menos eu estava, já que o guarda ao meu lado se parecia com uma máquina quieta e calada. Nem sequer demonstrava emoção alguma, apenas a pura neutralidade e a expressão sempre igual e sem demonstrar nada. Acho que se ele levasse um tiro, continuaria daquele jeito.

Mas meus pensamentos saem da falta de emoções do guarda ao meu lado sendo substituído por outro bem, bem mais importante.

O que eu diria quando estivesse diante da família real? Eu não pertenço aqui, não sei nem como me curvar, ou até respirar perto deles. As poucas vezes que vi cada um deles era na televisão pequena e com a imagem péssima, cheia de riscos e chiados, e em praticamente nenhuma das vezes eu prestara atenção.

Meus saltos faziam barulho e isso me deixava mais nervosa a cada toc que chegava aos meus ouvidos.

– A senhorita pode seguir direto aqui e os guardas lhe aguardam no fim do corredor. – O Senhor Neutro, como eu decidira chamar mentalmente, diz e aponta.

– Obrigada. – Sorrio fraco e espero ele se afastar.

Vou devagar agradecendo ao tapete do corredor por fazer meus saltos se calarem. O tapete era branco, e ocupava toda aquela área do chão. As paredes eram vermelhas com vários quadros bem posicionados, mas eu não prestei atenção em nenhum deles. No fim do corredor vejo dois homens posicionados como estátuas e as mãos na porta larga. Apenas pela forma como meu coração resolveu bater mais forte, eu já imaginava que a família real estaria lá dentro.

Eu só conseguia pensar em como estragaria tudo assim que entrasse por aquela porta, em como minha vida tinha chegado a esse ponto sem que eu fizesse nada e em como, para mim, eu parecia prestes a entrar na sala de execução. Não fazia ideia do que dizer ou fazer quando estivesse diante da família real. E pensar que tantas pessoas queriam estar no meu lugar enquanto eu só queria estar no orfanato. Estava tão apavorada que preferia um orfanato velho e com algumas pessoas insuportáveis, a um castelo com o posto de princesa. Deus!

Todos os guardas desse lugar pareciam estranhamente calados demais, e me perguntei se teria de viver assim também. Uma marionete andando e guardando tudo para mim enquanto obedecia às regras. Não, me convencia, provavelmente não.

Tive de forçar meus pés para irem até onde estavam os dois guardas ao invés de sair correndo, pular o portão e correr mata adentro sem olhar para trás, ou ao invés disso, continuar parada pensando em tantas coisas.

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