Capítulo VI

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Eu já havia acabado de comer enquanto esperava, ainda sentada à direita de Rhys. Ele conversava com algumas pessoas, mas eu mal prestei atenção aos assuntos. Sem o que fazer, comecei a reparar nas paredes de madeira descascadas, no fogo do fogão a lenha aquecendo o ambiente fechado, nas cadeiras e bancos ao redor das mesas longas, na quantidade de pessoas ali, todas usando uma mesma cor de roupas: preto. Tudo parecia diferente demais do que eu estava acostumada a ver no castelo ou até no orfanato. Me lembrei das palavras de Caleb, dizendo que os Legionários eram um povo que apoiam uma ideia de governo que nunca daria certo, e me pergunto que ideia seria essa. Se eles são felizes vivendo ali, no meio da floresta, tendo suas refeições em um pântano e dormindo em barracas, que tipo de mudanças queriam lá dentro?

Bom... pela forma como riam e conversavam animados, não diria que estavam tristes com o estilo de vida. Pareciam bem mais alegres do que o próprio rei e a rainha pelo tempo que estive no palácio.

Interrompendo meus pensamentos, Patrick e Peter se aproximaram de Rhys e falaram algo para só ele ouvir. O líder me flagra observando e desvio os olhos, mirando o balcão nos fundos do cômodo grande e tentando ainda acompanhar alguma coisa pela visão periférica. Apenas consigo ver quando Rhys assente e se levanta, e os gêmeos saem.

— Venha. — Ordena Rhys para mim. Me levanto e o sigo sem questionar, grata por sair daquela multidão. Ele começa a andar na frente, já fora da cabana, seguindo uma trilha, e eu continuo o acompanhando sem dizer nem uma palavra. Quieta e cautelosa, aconselhara Peter.

Apesar de ter comido, ainda estou fraca e cansada, então minha caminhada é lenta, e por mais de uma vez tive de me recostar em alguma árvore, apenas para pegar fôlego. Depois de andar mais de vinte minutos, sem que eu diga absolutamente nem uma palavra, chegamos onde quer que fosse aquele lugar e vi três guardas do palácio. Reconheci pelo uniforme, já que não os tinha visto no palácio. O alívio é tanto que mal consigo me manter de pé. Eles estavam falando com Patrick e Peter.

– Alteza. – Eles me veem e fazem referência. Aceno para dizer que não precisa e fico na frente deles, com os olhos de Rhys fixos em mim. Estava nervosa, ansiosa, desesperada para sumir dali. Já conseguia imaginar o alívio que iria recair sobre mim quando eu estivesse voltando. Quando eu estivesse em meu quarto, tomasse um banho e dormiria só para não ter de pensar em tudo que acontecera durante e depois do ataque. Eu abraçaria Gina e Miranda falando que nunca mais me arriscaria tanto, que não iria mais deixar de ouvi-las. Eu iria parar de reclamar do casamento, apenas como gratidão interna por ter sobrevivido.

– Vieram me levar de volta, certo? – Não consigo frear a ansiedade, não consigo interromper as imagens do meu quarto na minha cabeça, da segurança do palácio. Longe daquele povo, longe de Rhys. Os guardas se entreolharam por um segundo antes de voltar a falar comigo.

– Bom, alteza, viemos fazer um acordo para que o rei dê a eles o que querem para que então possamos levá-la de volta. – Meu alívio some igual fumaça na hora.

– Não vão me levar agora? — A decepção em minha voz é tão clara que Rhys desvia os olhos.

– Voltaremos logo para trazer o que querem e então você pode vir. – Ele repete. Dou um passo para trás.

– Mas eu não posso ficar aqui... — Murmuro e ouço Rhys suspirar atrás de mim. Imaginar aqueles guardas voltando para o castelo, para a segurança, e me deixando para trás com aquelas pessoas...

Se o rei sabia onde eles estavam, por que não mandou vários guardas para capturar todos eles e me levar? Eles podiam não saber onde era exatamente o acampamento, mas sabiam que negociariam aqui, onde eu estaria. Eles podiam simplesmente ter mandado mais guardas armados e me resgatado. Por que mandar apenas três para firmar acordo ao invés de prender aqueles que invadiram o palácio? Caleb uma vez dissera que não agiam contra os Legionários do Sul porque eles não agiam contra o Reino, mas e agora? Agora que eles invadiram e sequestraram... me sequestraram?

Começo a andar para trás, encarando os guardas. Tinha alguma coisa errada. Sabia que tinha pelo olhar deles; meio sem reação, meio ensaiado, pelo jeito como mantiveram a calma artificial. Confusão estava estampada em meus olhos quando encarei Rhys, que apenas manteve o olhar frio nos três homens.

– Bom, então quando voltam com o que pedimos? – Peter pergunta aos guardas depois de alguns minutos de silêncio.

– Esperamos que em três dias.

– Três dias?! – Repito com a voz mais alta. Alguns pássaros que estavam nas árvores a nossa volta voam, assustados.

– Estamos fazendo tudo que podemos. – O guarda responde para mim.

A calma e a esperança se esvai de meu peito. E se demorarem demais? E se nunca vierem? E se me matarem antes de que eles possam voltar?

Eu teria de passar noites ali. Eu não queria ser deixada para trás, não queria ver os guardas voltando para o castelo, seguindo o seu rumo enquanto eu era deixada ali no meio de toda aquela gente que tão pouco eu sabia, no meio daquela gente que eu não podia confiar em absolutamente ninguém, no meio deles que poderiam ter uma súbita mudança de ideia e me matarem quando bem quiserem, ou até fazer coisas horríveis antes. Eu não queria ficar sozinha ali. Não. Não queria ser deixada, nem por uma noite que fosse.

Apenas para extravasar o choque e a indignação, apenas para evitar chorar na frente de todos eles, inimigos ou aliados; eu me afasto lentamente, me aproximando de alguma trilha e começo a correr. Não pela fuga. Não. Eu jamais conseguiria fugir, não daquele jeito. Apenas queria correr para me distrair. Sabia que Rhys estava no meu enlaço, mas não olhei para trás.

Estou fraca, então não consigo correr muito rápido, ele já poderia ter me alcançado, mas parece apenas estar me acompanhando. Não me importo. Só queria correr até estar mais exausta que já estava e então cair em algum lugar daquela floresta avermelhada e sombria. As árvores me lembravam o dia em que fui para o palácio, e via algumas iguais, de dentro do carro, e dentro do Reino. Eu já devia saber que a partir daquele dia nada nunca mais seria como antes e minha vida nunca mais seria igual, ou tão fácil como era. Tão fácil... tão boa...

Eu nunca quisera mais do que eu já tinha. Uma família, talvez, apesar de ser feliz em ter apenas Miranda e Gina; Algumas coisas simples, mas nunca quis muito. Eu estava bem. Apesar de toda minha ansiedade, eu nunca reclamara muito. Isso tudo — eu — só se transformou quando me vi sendo obrigada a mudar de vida completamente. De certa forma, eu também nunca tive em quem confiar no palácio. As únicas pessoas em quem eu confiava na vida, elas foram tiradas de mim, ou eu fui tirada delas, não sei dizer. Mas eu só confiava completamente, de olhos fechados, em Gina e Miranda, e por mais que eu soubesse que elas iriam tentar, elas não podiam fazer nada.

Meu instinto nunca me enganava e sabia que havia algo errado. Eles já podiam ter me resgatado, podiam ter prendido Rhys e os outros. Não saber o que estava acontecendo me deixava ainda mais frustrada.

Não sei há quanto tempo estou correndo, apenas vejo uma árvore enorme e acolhedora, com raízes grandes, fazendo uma espécie de berço: cercado de raízes nas laterais da grama. Sem nem pensar me deito ali, tão exausta e ofegante que nem consigo abrir os olhos. Ouço os passos de Rhys e sinto quando ele se senta também, um pouco mais afastado, está ofegante como eu.

Espero ele dizer que vou pagar por ter corrido até aqui, espero ele dizer que sou entediante ou até mesmo dar seu suspiro que diz o mesmo, espero ele gritar e xingar, espero que ele me obrigue a levantar e voltar, mas ele não faz nada. Simplesmente fica ali, controlando sua respiração enquanto estou de olhos fechados tentando fazer o mesmo com a minha.

Abro os olhos com certo esforço e vejo aqueles imensos galhos acima de mim. Aquela era a maior árvore que eu já tinha visto. Havia borboletas por perto, e flores ao pé da árvore também, agora eu percebera. Embora a floresta tenha muitas áreas com apenas terra e pedregulhos e rochas, aqui há grama e estou deitada sobre ela, com galhos me cercando e fazendo parecer uma cama, um lar para minha agonia. As borboletas voam em torno dos galhos, das flores e até passam perto de mim. Por um momento fico bem, vendo aquilo, deitada, admirando a majestosa beleza da natureza me acolhendo.

Rhys está sentado de costas para mim, encarando uma borboleta que fica voando perto dele. Uma delas pousa no meu braço que descansa sobre o peito, ela é de um azul pálido lindo e acolhedor e sereno. Sorrio de leve para ela quando esta bate a asa para mim uma vez. Sinto que estava sendo observada e viro a cabeça, vendo que agora Rhys me encarava por sobre os ombros, o olhar fixo no meu.

Sustento o olhar por mais alguns segundos antes da minha visão embaçar e escurecer e então, apagar.

Floresta do SulOù les histoires vivent. Découvrez maintenant