Capítulo 58 - Algo intragável

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Noah

Após tomar um demorado banho com ele - que insistia em fazer cócegas em mim dentro do box ignorando os riscos que eu tinha de escorregar -, decidi que já tinha passado da hora de contar a ele sobre sua família e sobre o câncer que poderia tirar a vida de seu pai.

Bem, confesso que dizer aquilo enquanto ele vestia a cueca, não era exatamente o melhor momento, mas aquilo já estava me incomodando e como eu tinha uma memória rasa e escassa para coisas úteis, tive medo de que meu cérebro falhasse em se lembrar daquilo e o pai dele morresse por minha culpa.

- Como assim câncer? - cuspiu, com as narinas infladas. Ian nem sequer terminou de se vestir, continuou ali, com a boca escancarada e me encarando. - Por que não me contou isso antes?

- Foi mal, é que eu tinha tanta coisa para resolver, tantos problemas e...

Parei de falar assim que percebi que Ian não estava mais prestando a atenção em mim, estava paralisado, permitindo-se ser engolido pelos seus próprios pensamentos. Pensamentos esses, que talvez eu nunca vá saber.

Ian

De repente a minha cabeça foi tomada por lembranças como um filme amador muito mal dirigido.

Eram apenas fragmentos, só que já era o bastante para me destruir. Para falar a verdade, eu já estava acostumado a ser destruído e me regenerar constantemente, porém às vezes a destruição é tão visceral e as memórias são tão atordoantes, que me pergunto como eu farei para sair daquilo, para me reerguer, me libertar daquele abismo ao qual me vi enterrado durante tantos anos.

Foi assim que me senti quando Noah falou sobre o meu pai, sobre o câncer dele e sobre a ajuda que eu poderia dar por ser compatível.

Minha primeira reação seria rir, rir muito. Entretanto, a minha garganta parecia estar entalada com algo intragável, tão intragável quanto aquela notícia.

Meu príncipe não parava de falar, chamar a minha atenção. Cogitei a hipótese de mandá-lo calar a boca, mas conhecendo o Noah e o seu jeito escandaloso, acabaríamos brigando e se desentendendo, e essa era a última coisa que eu queria.

Antes que eu sequer notasse, estávamos entrando no carro e indo para um lugar desconhecido, que segundo ele eu tinha concordado em ir, embora não lembrasse.

Ao olhar para baixo, notei que eu usava uma roupa do Noah e ela estava um pouco apertada em mim, deixando o meu corpo bem colado ao tecido, o que não era nada confortável. Sem falar da bermuda, que na verdade era uma calça pescando e me vi fazendo uma careta para ela, me perguntando em que momento a vesti.

Nada daquilo estava fazendo sentido para mim. Estava tão imerso em pensamentos que acabei me desligando das cenas que aconteciam no presente, concordando com coisas que jamais concordaria se eu estivesse com a minha sanidade mental.

Meu corpo inteiro parecia gelado como uma lagartixa quando reconheci o vilarejo, as casinhas e todo o resto.

Com os olhos arregalados, tentei implorar ao Noah para que parasse o carro, que não me obrigasse a ir até lá se realmente se importasse comigo, se realmente me amasse da forma como disse que ama. No entanto, a minha voz se perdeu no ato, saindo apenas ar dela, um ar pesado que exigiu muito dos meus pulmões já debilitados devido ao choque.

Noah nem pareceu notar o meu desconforto, a minha vontade inexplicável de chorar. Simplesmente sorriu para mim esticando aqueles lábios enlouquecedores e disse que estávamos quase chegando.

Engolindo em seco, consegui assentir, embora não fosse isso que eu queria fazer. Ele não ia entender se eu dissesse com todas as letras os motivos pelos quais eu não queria ajudá-los.

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