Capítulo 61 - Absurdo Exacerbado

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Ian

Tive que ser tirado da sala porque eu não conseguia me mover, meus pés pareciam estar enterrados no chão liso. Logo eu estava no carro, ainda ouvindo o som do bipe em minha mente, sob o olhar de Noah, que certamente só estava esperando eu desmoronar. 

Karen ficou no hospital e se recusou a vir conosco. Ela me agarrou pelos ombros e me sacudiu gritando e berrando dizendo que eu era um monstro, que eu tinha matado o seu marido e me deu um tapa antes de Noah nos separar e me levar para longe dali.

Mal senti a dor do tapa, embora eu pudesse ver muito bem contorno perfeito de seus dedos desenhados ali.

Estranhamente, aquilo não me perturbou, eu estava com a mente tranquila, limpa e acreditava que o único motivo de eu estar naquela sala era mesmo me despedir dele e dá-lo a chance de se desculpar, e fiquei feliz por ter tido a capacidade de fazer isso sem guardar rancor, tanto que acabei sorrindo, mesmo sabendo que era estranho naquelas circunstancias.

***

Estávamos exaustos, porém implorei ao Noah para irmos até a casa do Kevin e deixá-lo a par de tudo.

Ele como sempre, me recebeu de braços abertos, chorou comigo enquanto eu contava tudo e implicou comigo para me fazer rir e afastar a dor. 

Dei um empurrão nele, soltando uma risada meio chorosa, Kevin afagou meu rosto, me puxou para um abraço apertado, e como sempre fazia quando eu era pequeno, tirou uma mecha do meu cabelo dos olhos e sorriu.

Ele tinha parado de me dar beijos na testa alegando que era muito gay, tanto que já cansei de dar nele apenas para provocá-lo, entretanto, naquele dia ele não se limitou a inclinar a cabeça e pressionar os lábios em minha testa, fazendo eu me transformar naquele mesmo menino de cinco anos que não sabia de nada da vida — e convenhamos, eu ainda não sei bulhufas!

Meu avô preparou um café para nós e começou a contar as suas tão famosas histórias sobre guerras que supostamente participou. Kevin e eu concordamos que ele só tinha uma imaginação muito fértil, já que não houve registro algum dessas tais guerras.

Histórias me faziam lembrar das que Kevin contava para mim quando eu era menor, quando o questionava perguntando por que eu era diferente. 

Gostava de chamar aquilo de teoria de Kevin, porque era mais uma teoria do que uma historinha qualquer, tinha um peso muito maior para mim, porque uma parte minha achava essa teoria plausível.

Eu era gêmeo quando estava na barriga da minha mãe, só que o meu irmão acabou morrendo no parto e Kevin dizia que ele trocou de alma comigo. 

Era meio surreal e chegava a ser engraçado de tão absurdo, mas era uma coisa a se pensar, já que o mundo era famoso pelo absurdo exacerbado. 

Noah

Ian não estava se sentindo bem, as semanas que se seguiram foram as piores, ele reclamava de dor nas costas, tinha enjoos o tempo inteiro e eu só podia ficar ali, morrendo de preocupação, temendo perdê-lo.

Haviam se passado quase três semanas da morte de seu pai e até que ele estava lidando bem com tudo isso, devido às circunstancias. Não fomos convidados para o enterro e Ian também não queria ir, disse que preferia guardar apenas o primeiro e último sorriso que arrancou dele.

— Vou chamar um médico, Ian — resmunguei, cansando de vê-lo deitado na cama gemendo de dor. O corpo dele estava inchado e ele não me deixava tocá-lo, estava de mau humor e dizia para eu deixá-lo em paz.

— Não precisa, Noah, não é nada de mais.

— Como não é nada de mais? Você está todo dolorido, meu amor.

— Catarina já está trazendo o que eu preciso — sussurrou. Ian apenas sussurrava, o único som alto que ele emitia eram os gemidos agudos de dor. 

— Se você continuar desse jeito, vou chamar um médico você querendo ou não. 

— Tá, Noah — rosnou, impaciente.

No mesmo instante, Catarina apareceu no quarto com uma sacola preta nas mãos e entregou a Ian, com um sorriso no rosto que não entendi direito.

— Aqui está.

— Valeu, Catarina — Ian pegou a sacola e com gemidos e resmungos, caminhou até o banheiro e se trancou lá, sem dar muitas explicações. 

Levantei a sobrancelha, tentando arrancar qualquer explicação da empregada, que apenas deu de ombros e se retirou.

Consegui ouvir o barulho dos vômitos dele e corri para bater na porta, exigindo entrar.

— Sai Noah, já estou acabando.

— O que tinha na sacola? — pressionei, batendo na porta até conseguir uma resposta.

Não houve nada por um tempo, apenas um silêncio que me enlouquecia. Ian tava querendo me tirar do sério, não é? Só podia ser!  

Para o meu alívio, a porta se abriu minutos depois e um Ian meio verde, meio amarelo me agraciou com um sorriso visivelmente forçado ou fraco demais. Ele se arrastou até a pia e cambaleava tanto que logo corri para segurá-lo e impedir que caísse. 

— Tenho uma coisa para te contar — murmurou assim que o segurei. 

— É boa ou é ruim? — perguntei, já preparado para o pior. 

— Acho que é boa, muito boa — Ian riu, uma risada bem fraca, mas um pouco tremida.

— Então pode falar, já estou surtando com todo esse mistério.

— Sei que pode soar como uma loucura ou algo impossível — Ian colocou as mãos na barriga quando falou, com o sorriso ainda mais largo e radiante, mesmo com toda a sua fraqueza evidente e os lábios pálidos e sem cor. — Mas eu estou grávido? — soou mais como uma pergunta do que uma afirmação. Pelo visto, nem ele sabia o termo correto a se usar.

Pisquei algumas vezes, tentando decidir se eu ria do absurdo que acabei de ouvir ou continuava parado entrando em choque.

Feche a porta quando sair ✅Where stories live. Discover now