Capítulo 65 - Nunca sinta vergonha de quem você é

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Noah

 Os nove meses passaram muito rápido, tanto que já perdi a noção do tamanho da barriga de Ian.

Se antes ele estava parecendo uma bola de futebol, agora ele parecia um balão inchado e redondo. É claro que não falei isso para ele, Ian passou a ficar tão sensível que mal parecia a mesma pessoa. Se eu falasse qualquer coisinha errada, ficava dias em falar comigo, era frustrante, só faltava ele me matar! Tudo ainda piorava se eu cogitasse a hipótese de que seus hormônios estavam enlouquecendo.

Ele ficou quase três meses inteiros na cama, sob meus cuidados e os de Catarina. Nathan também me ajudava muito, principalmente quando Ian inventava de comer coisas malucas no meio da noite. Se não fosse por Nathan, Ian teria parado de falar comigo ainda mais vezes.

Não sabia se desejos de grávidos eram mitos e ele só estava tirando uma com a minha cara, ou de fato a minha filha nasceria com cara de berinjela, como Ian disse que aconteceria caso eu não trouxesse uma para ele.

Eram três horas da manhã quando ele pediu aquilo. Onde diabos eu iria arrumar uma maldita berinjela às três horas da manhã?

 O pior de tudo foi que quando eu trouxe a dita cuja, ele simplesmente disse que não queria mais e ainda alegou que a culpa foi minha por ter demorado tanto. 

Só não taquei o objeto na cabeça dele porque estava cozido em um prato quentinho para ele. No final das contas, eu é quem tive que comer a droga da berinjela, apenas para a viagem não ter sido totalmente em vão. 

O mais louco era que a libido dele estava tão alta que parecia um animal no cio. Inúmeras vezes eu tentei explicar que era melhor a gente não fazer nada e Ian sempre acabava emburrado, dizendo que eu não o amava mais e que eu não sentia tesão por ele só porque parecia uma porca prenha.

Não me culpe, foram exatamente essas palavras que ele usou!

Quando comecei a rir foi que tudo piorou, ele ficou quase uma semana de cara feia, não aceitava mais a minha ajuda e me ignorava completamente, tive que me esforçar muito para conseguir falar com ele de novo.

O humor dele estava muito oscilante ultimamente e acompanhar aquilo era quase impossível. Foram horas de sonos perdida, fazendo as vontades dele e não recebendo nem um obrigado como recompensa, mas sim críticas e mais críticas. Estava quase perdendo a paciência e Nathan tentava me consolar dizendo que grávidas agiam dessa forma mesmo e pediu para eu tentar relevar isso e prometeu que assim que minha filha nascesse, eu teria o meu Ian de volta.

 Fiquei torcendo para que estivesse certo, porque meu corpo inteiro já estava cansado de ficar se arrastando rua afora para conseguir coisas impossíveis para uma pessoa tão ingrata e mesquinha. 

Antes eu o ajudava a tomar banho, só que depois ele pareceu ficar com vergonha de mim, achando que eu não olhava para ele da mesma forma e ficava magoado. Ian estava muito dramático ultimamente e tentei explicar que não era verdade, que eu o achava lindo de qualquer jeito, mas aquilo parecia piorar ainda mais e era aí que ele começava a chorar.  

— Serão só nove meses e você continuará sendo homem — cansei de ressaltar isso, mas parecia entrar por um ouvido e sair pelo outro. 

Na internet, consegui encontrar notícias de homens trans que engravidaram, inclusive vi um que conseguia amamentar os filhos que tinha e aquilo soou natural, porque só mostrou mais uma vez o quão certo Ian era para mim. Ele se condenava dizendo que tinha nascido no corpo errado e tudo mais, só que ele não tinha nascido. Ian estava no corpo certo, sempre esteve e só precisava de um empurrãozinho para se tocar disso.

Tudo relacionando a mulher presente em seu corpo, Ian abominava e ficava por horas se queixando. Se fosse listar tudo o que ele odiava em si daria para escrever um livro gigantesco.

— Já falei, não sinta vergonha do seu corpo, Ian, ele faz parte de você, de quem você é. Nunca sinta vergonha de quem você é — murmurei, ganhando um sorriso como resposta.

— Estou muito chato ultimamente, não é? — quis saber, alisando a barriga exposta. — Eu até estava feliz, entende? Tendo corpo de homem, barba de homem, só que agora eu não me sinto mais homem. Me sinto um erro, é desmotivador demais se sentir um erro, algo que transita pelos gêneros e se transforma em algo estranho aos olhos alheios.

— Esquece essa sociedade porca que a gente vive, se concentra em você, em nós. Vamos ter um filho, meu amor. Quantos casais gays podem gerar filhos? Muitos querem e não podem, então não se sinta menos homem por poder. É uma coisa maravilhosa.

— Então não acha que estou estranho e nem nada? Porque vejo o modo como olha para mim.

— Sempre olhei para você do mesmo jeito, não sei de onde você tá tirando isso. Não tem nada de errado com você e não deixe as pessoas te dizerem o contrário. Você é um homem Ian, aceite isso!

Quando consegui arrancar um sorriso verdadeiro dele, foi que apoiei o meu ouvido em sua barriga, a fim de ouvir minha filha. Agora que estava imensa, prestes a nascer, era mais fácil de ouvi-la, sentir que realmente tinha algo vivo ali dentro, algo que me pertencia, uma parte minha. 

Meus olhos se enchiam de lágrimas sempre que pensava nisso, que em pouco tempo ela estaria ali com a gente, nos agraciando com a sua presença.

De repente, Ian começou a se contorcer e urrar de dor e logo me afastei, surpreso e sem saber direito do que fazer. Quando Ian puxou meu braço e o apertou com força foi que gritei para que alguém me ajudasse a levá-lo ao hospital.

Logo várias pessoas irromperam pela porta, apressadas e me empurrando para que eu saísse da frente. Sorte que eu já tinha previsto que aconteceria a qualquer momento, então já deixei alguns enfermeiros contratados para levá-lo as pressas para o hospital onde seria feito o parto.

Optamos pelo parto normal, porque Ian não queria passar pela cirurgia da cesariana e ter que lidar com o pós-operatório. Queria curtir a nossa filha. Eu nem sabia se seria filha mesmo, decidimos descobrir apenas na hora e nos surpreendermos juntos. 

Assim que o colocaram na maca, apressei o passo para segurar sua mão, sentando pertinho dele na ambulância, deixando que apertasse conforme a sua dor aumentava. Era agonizante vê-lo gritando daquela forma e não poder fazer nada a respeito.

Sorte que o hospital era bem perto e assim que cheguei lá, mal tive tempo de assimilar a ideia de que eu estava prestes a me tornar pai oficialmente.

Feche a porta quando sair ✅Where stories live. Discover now