Cap. 34 - Parte II - Judgements

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EMANUELLE

Peguei todos os meus materiais e saí da sala do cursinho apressada. Eu não aguentava mais estudar, meu dia fora longo e cansativo. Sentia uma dor latejante na cabeça e não consegui prestar atenção em nada que saiu da boca do professor de física. Tudo que eu queria era deitar na minha cama. Só de pensar que teria que acordar super cedo no dia seguinte para colocar a matéria em dia, a dor de cabeça pareceu aumentar.

Quando eu peguei meu celular para chamar um uber, avistei Roberto andando na minha direção. O garoto que havia jogado o diário da minha avó na água parecia determinado a falar comigo. Respirei fundo, tentando manter o autocontrole e dizendo a mim mesma que eu deveria perdoar as pessoas.

- Oi, Manu – ele falou e eu continuei andando para me afastar da multidão de alunos e, ao mesmo tempo, encontrar um local para me proteger da chuva que estava começando. Não respondi nada. – Eu sei que você não quer falar comigo e sei que mereço isso. Mas eu preciso me desculpar. Por favor, me dê só uma chance.

Meu telefone tocou. Era Eduardo. Levantei a mão como se dissesse para ele esperar um pouco e atendi a ligação.

- Oi, Du.

- Ei, esquilinha. Estou passando perto do seu curso, quer carona?

- Sério? Nossa, seria ótimo! Estou morrendo de dor de cabeça.

- E eu tenho certeza de que só de me ver você vai melhorar.

Eu imaginei o sorriso dele.

- Ou eu morro de vez, pelo menos – respondi. – Obrigada, beijos.

- Até daqui a cinco minutos.

Encerrei a chamada e encarei Roberto. Eu sempre acreditei em segundas chances, então encostei na parede atrás de mim, que tinha uma marquise, e decidi escutá-lo.

- Ok – ele continuou, passando as mãos nos fios louros. Ele estava nervoso. – Obrigado. Bom, eu tinha uma queda por você desde que te vi na oitava série. Eu sempre fui popular na escola e não precisava esperar para as garotas dizerem sim. Exceto você. Eu sei que é clichê e ridículo – ele revirou os olhos. – Mas isso me fez gostar de você. E você é inteligente, dedicada e madura. Acho que eu também tinha inveja de você. Você era tão superior – ele faz aspas com os dedos. – E eu não entendia porque parecia não gostar de mim. Eu sei que não era o melhor aluno ou pessoa, mas eu sempre fui educado com você. Com todo mundo, na verdade. Então, por que você parecia ter aquele desgosto por mim? Enfim, lá na viagem eu passei por um momento difícil. Minha namorada terminou comigo e meu pai disse que eu não servia pra nada. Ele falou que eu não sou nem capaz de segurar uma mulher e outras baboseiras. Minha mãe era uma viciada que me abandonou quando eu tinha cinco anos. E, juntando tudo isso, você parecia a mulher perfeita. Você é incrível e eu achei que ter você poderia consertar um pouco a minha vida.

Quase fiquei tonta com tudo que ele despejou sobre mim. Eu nunca me senti superior às pessoas naquela escola, mas sabia que alguns alunos pensavam assim. Só porque eu me concentrava nos estudos e não conversava muito com a turma. Laís era minha amiga e isso era suficiente para mim, principalmente, porque eu era meio tímida.

Ouvir que ele me achava incrível também foi meio estranho. Realmente, eu nunca gostara muito dele. Mas não era nada pessoal. Era só... não me querer relacionar. Sei lá.

- Então – ele falou -, eu te chamei para sair. Consegui tomar coragem para fazer o que eu queria há tantos anos e te chamei. Mas você nem ligou. Você me descartou em segundo, sequer pensou na possibilidade, provando que se achava melhor do que eu. – Ele respirou fundo, como se estivesse com vergonha. – Eu me senti humilhado e quis fazer você se sentir do mesmo jeito. Quis que você não se achasse tão boa assim. Acabei agindo como uma criança imbecil. Já passou muito tempo e eu precisava pedir desculpas, porque quero muito ser alguém melhor. Estou até fazendo terapia – ele sorriu. – E eu sei, agora, que tinha uma visão distorcida de você. É o que nós, humanos, fazemos... nós vemos e julgamos. Nós não perdoamos. Nós criticamos. Somos os primeiros a acusar. Queremos segundas chances, mas recusamos até mesmo dar primeiras chances.

- Caralho – ele suspirou e sorriu. – Acho que nunca falei tanto na minha vida e nem tão bonito. Tudo isso é só para pedir desculpas.

Eu fiquei sem reação. Ouvir o ponto de vista dele me mostrou como fazemos, de fato, o que ele disse. Julgamos. Criticamos. Não damos chances. Não perdoamos. Senti-me extremamente culpada. Meus olhos se encheram de água quando pensei que decepcionei meu avô, não só por como agi, mas também por causa do diário. Minha cabeça doía cada vez mais forte e eu estava confusa.

- Tá tudo bem – balbuciei. – Você tá desculpado.

- Ei – ele passou a mão na minha bochecha, enxugando uma lágrima que caiu. – Não fica assim. Eu nem sei por que você tá chorando. Mulheres chorando é algo que me deixa muito confuso.

Eu ri.

- Posso te dar um beijo de despedida? – Ele me perguntou, tomando cuidado.

Entendi que ele queria me dar um beijo na bochecha sem levar um tapa, como aconteceu da última vez que ele tentou fazer isso na escola. Assenti. Mas, para a minha surpresa e total horror, ele se aproximou e beijou levemente meus lábios. Foi um selinho. Foi tão rápido que nem tive tempo de me afastar. 

- MAS QUE MERDA? – Arregalei os olhos enquanto gritava.

- O que foi? – Ele pareceu verdadeiramente confuso. Será que ele se despedia de todas as garotas assim? – Oh, droga. Eu não devia ter feito isso? Ai, merda. Me desculpa mil vezes! Eu vou sair daqui e você nunca mais vai ver minha cara. Só espero que me perdoe de verdade. E eu achei que você tinha entendido. Droga. Adeus.

Ele saiu correndo, deixando-me mortificada no local. O pior, porém, ainda estava para acontecer. Quando virei para a rua, senti meu celular vibrar no bolso do jeans e vi um Eduardo totalmente sério me encarando de dentro do carro, com o celular no ouvido.

- Eduardo, eu posso explicar – falei, encostando na janela aberta.

- Entra. – Eu nunca havia ouvido sua voz assim.

Entrei no carro, já chorando.

- Por-por favor – disse. – Me deixa explicar.

- Eu não quero ouvir agora. Por favor, não diga nada. Eu não quero ouvir sua voz.

Fiquei em silêncio enquanto ele dirigia até minha casa. Dezoito anos sem beijar ninguém e, do nada, um garoto faz isso. Ele me beijou como se não fosse nada, como se não significasse nada. Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto corado de frio e tentei dizer mais alguma coisa enquanto saía do carro.

- Me des-desculpa – gaguejei, passando a mão pelo rosto.

Seu olhar estava tão frio que não consegui dizer mais nada. Ele não olhou para mim, apenas encarou a rua com o maxilar travado. Talvez eu devesse esperar até que ele se acalmasse e conversasse comigo. Ele já havia me dito que não conseguia conversar quando estava com raiva.

Fechei a porta e caminhei até minha casa aos prantos, não ligando para a chuva que me encharcava. Não ligando para mais nada. 

~~~~♥~~~~

Capítulo dedicado a @analuizawritter, obrigada pelos comentários incríveis! Eles me inspiraram tanto que acho que vou escrever o dia inteiro... haha

Ps. O último capítulo será o 40, mas tem epílogo. A próxima história será Corações Quebrados, que será mais rápida.

Pão de beijo,

Lari.


Corações EscondidosWhere stories live. Discover now