Capítulo 30 - Nocaute

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  O barulho vinha do quarto dos pais, Kara tinha certeza disso, sabia que deveria continuar na cama e tentar dormir, não era hora de criança estar acordada, mas era impossível dormir com todos os gritos

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  O barulho vinha do quarto dos pais, Kara tinha certeza disso, sabia que deveria continuar na cama e tentar dormir, não era hora de criança estar acordada, mas era impossível dormir com todos os gritos. O seu pai estava bravo, o que não era nenhuma novidade, mas dessa vez ele parecia realmente bravo.

  A garota empurrou a grossa coberta para o outro lado, e com cuidado desceu da cama, fazendo o possível para não provocar nenhum ruído ao abrir a porta e andar pelo corredor. Ao chegar ao seu objetivo ela se deu conta de que havia uma fresta da porta dos pais aberta, se posicionou naquele pequeno espaço e tentou ver, no momento em que os encontrou, discutindo ao pé da cama, no caso seu pai falando e sua mãe ouvindo e se desculpando, ele atacou. Não que ela nunca houvesse imaginado como hematomas e cortes surgiam magicamente na pele de sua mãe de um dia para o outro, mas imaginar era uma coisa, presenciar a ação era outra totalmente diferente.

  Kara prendeu a respiração no momento em que um tapa forte acertou a face da mulher que lhe deu a vida, fechou os olhos no ato e quando os abriu a encontrou caída no chão. Em menos de um segundo era atingida por um chute nas costelas, seu pai gritava algo sobre ela não fazer nada certo e ser uma vagabunda. Naquela época a menina não sabia o significado daquela palavra, nem da situação, mas sabia que era ruim. Por isso, e tentando evitar uma tragédia maior, ela desceu as escadas correndo procurando pelo telefone, derrubou algo no caminho mas não se preocupou em pegar, ela tinha que pedir socorro.

  Por mais incrível que pareça ela sabia o número da Polícia, assim como sabia dos Bombeiros e do Samu, nunca se sabe quando ela precisaria usar e Kara sempre foi uma garota esperta. Então discou e rapidamente a linha começou a chamar, em três bipes alguém atendeu.

_Alô! -Kara exclamou desesperada- é da polícia?

_Sim, polícia militar em que posso ajudá-la?

_É o meu pai moça, ele... Ele tá batendo na minha mãe, ele tá com raiva, vai matar ela. Por favor me ajuda -pediu entre lágrimas- eu...eu moro na...

  Kara não viu ele se aproximar, não ouviu seus passos na escada, quando se deu conta ele já estava ali, colocando o telefone de volta no gancho com força e arrastando a garota pelos cabelos escada acima, enquanto ela gritava cada vez mais alto. Então já não era apenas sua mãe o saco de pancadas, era ela também. Seu pai começou a gritar com a garota, que ela era imprestável, curiosa demais, um estorvo na vida dele, uma puta que nem a vagabunda da própria mãe, e a cada ofensa ela recebia um golpe. Alguns tapas, um soco, um chute, pelo canto do olho ela via uma criatura frágil e machucada também caída no chão, ela pedia que o marido parasse e se acalmasse, mas ele continuava cada vez mais forte. Agarrou o pequeno pescoço da menina e começou a sufocá-la, enquanto ela tentava sem forças lutar contra aquilo. Então tudo ficou preto.

Kara acordou assustada, instintivamente levando as mãos ao pescoço, não havia nada lá. Aquela não era a primeira vez que tinha aquele pesadelo, ou antiga lembrança, tampouco seria a última. Ela passou as mãos pelos cabelos escuros e lisos enquanto se lembrava. Naquele dia, pela primeira vez, ela viu a razão dos machucados da mãe, que antes eram identificados como escorregões, quedas e outros acidentes simples, naquele dia pela primeira vez ela sentiu na pele todos aqueles acidentes, e essa memória, mesmo que ela desejasse com todas as forças, nunca a abandonaria.

Ovelha Negra [Completa]Where stories live. Discover now