16.

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Diana

Já amanheceu e eu continuo inerte sentada na cama abraçada a camisola que Gwen esqueceu quando me abandonou sem nenhuma justificação cabível. Aspiro seu aroma pela milionésima vez desde que ela se foi e eu consegui reagir. Demorei uns minutos para voltar a realidade, recuperar o raciocínio e controlar minhas ações. Quando finalmente voltei à mim, depois de sentir como se tivesse levado uma pancada que me desestabilizou por completo, dominei minhas pernas e corri com a esperança de ainda encontrá-la, no entanto não pude ir muito longe porque meu carro partiu junto dela. Depois de muito lutar com meus pensamentos e catar meu coração entrei novamente para a cabana e me deitei. Continuo tentando entender o que houve para minha namorada surtar e decidir ir embora subitamente. Mas sou inteligente o suficiente para ligar seu comportamento ao sono conturbado que teve na noite passada. Será que ela sonhou algo ruim com relação à mim, ou a nós duas? Estranho, uma vez que tudo estava perfeitamente bem antes de dormirmos. Por este motivo também preciso retornar a Nashville. Chega de me esconder nessa bendita cidade numa busca vã por paz de espírito. Sinto que há algum mistério a ser solucionado e não é acomodada nessa cabana que o problema vai se resolver. Agora entendo que estar serena consigo mesmo vai além de uma coordenada. É mais uma questão de consciência tranquila do que ocupar um lugar em específico. Contudo, tenho que reconhecer que a estadia em Dillon foi importante para eu chegar finalmente nesta conclusão. Nada é de fato em vão. Além disso, se Gwen foi capaz de abrir mão do próprio orgulho, dos seus deveres e temores para vir até aqui ler minha essência e tentar me compreender, ir atrás dela para buscar explicação é o mínimo que eu posso fazer. Não é assim que iremos terminar.

Me levanto e começo a arrumar meus utensílios pessoais dentro da mesma mala que eu desfiz quando cheguei aqui querendo fugir das pessoas e dos acontecimentos dolorosos. Olho para a camisola de Gwen e nossos momentos se repetem na minha mente aquecendo meu ser como se tivessem acendido uma fogueira dentro do meu cerne num dia frio e cinzento. Suspiro fundo olhando ao redor com obstinação, lembrando-me também do tempo em que meu irmão e eu vivemos aqui com minha mãe já doente. Ambos cuidamos dela com todo zelo e a circunstância nos obrigou a amadurecer mais cedo que a maioria dos jovens. Só conseguimos comprar essa cabana porque minha mãe tinha umas economias guardada. Ela não tinha formação e nunca trabalhou fora. Era uma dona de casa exemplar. O homem que acreditei ser meu pai não permitia que ela tivesse nenhuma atividade que não se resumisse a cuidar dos filhos, da casa e de suas responsabilidades como esposa, casada com um político. No entanto, quando ele descobriu que era Charles nosso pai, nos despejou na rua como se fôssemos uns panos velhos sem mais utilidades. Tivemos que nos virar. Tony mesmo largou os estudos para trabalhar fora e eu também conseguia dinheiro fazendo alguns bicos na região quando não estava na escola. Ele dizia que pelo menos um de nós tinha que ter um certificado acadêmico, e que fosse eu já que o mercado de trabalho sempre é mais rigoroso com as mulheres. Não tínhamos estabilidade financeira mas tínhamos uns aos outros em meio àquele inferno interminável. Por muito tempo eu culpei Charles e Geórgia por nossas desgraças, mas percebi que ninguém é culpado de nada, apenas somos responsáveis pelas consequências de nossas próprias escolhas e vítimas das condições embora só seremos prisioneiros delas se quisermos. Logo minha mãe veio a falecer e nos vimos sendo o braço direito um do outro, é claro que Tony sempre foi o braço mais forte, se não bastasse ter que lidar com as adversidades que atingem dois órfãos pobres, tinha que aguentar e contornar minha revolta. Segundo meu irmão os problemas sempre vão existir, mas cabe somente a nós mesmos decidirmos se vamos sofrer ou enfrentá-los. Tony é um homem admirável e merece todas as coisas boas do universo.

Termino de ajeitar minha mudança e me lembro que já que Gwen levou meu Mustang vou ter que ir no Jipe da Geórgia.

Calço um sapato, pego minha carteira e saio andando. Talvez alguma alma bondosa me ofereça uma carona até a cidade, onde fica a oficina em que deixei o carro para concerto. Poderia ir de ônibus mas caminhar me ajuda a espairecer. Depois de andar cerca de dois quarteirões pela estrada envolta por uma natureza cheia de primor, um carro estaciona ao meu lado. Coincidentemente, se trata de Bill. Mas duvido muito que seja por acaso, porque já que estou indo embora da Carolina, talvez a vida deseja que a gente esclareça o mal entendido da noite passada.

O Amor Na Balança ( Sáfico) Onde histórias criam vida. Descubra agora