27.

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Estou um pouco tonta como se tivesse me embebedado ontem, as indagações preocupadas de Gabe não passam de murmúrios longínquos, pois toda minha atenção está voltada para suas malas e as lembranças da nossa vida passada. Agora consigo me recordar com clareza de todos os fatos. Sequer pisco, a parede se transformou numa espécie de tela onde é possível que eu assista nossa existência anterior como a estreia tão aguardada de um filme no cinema, incluindo as expectativas e emoções. E exatamente tudo ganha um sentido mais amplo e esclarecedor. Compreendo o mistério que Dona Missouri deixou no ar quando contei à ela sobre ter passado por uma regressão de memória inteiramente natural. Diana e eu não fomos atraídas para cá, somente por causa dos nossos pais dessa existência em questão e consequentemente solucionar as pendências envolvendo eles, mas também para resolver nossas diferenças com seu assassino.

Solto um suspiro interno de gratidão ao Universo, pois é claro que em outras circunstâncias, eu saíria daqui correndo, odiando-o, achando que sua condição de tetraplégico é um castigo divino e que ele merece viver acamado para pagar por seus crimes, julgando-o sem a mínima compaixão. Se eu pudesse, abraçaria a vida neste instante e lhe agradeceria pessoalmente por ter me moldado antes de enfrentar uma situação extremamente delicada. Eu amadureci surpreendentemente durante esta nova oportunidade de vivência e principalmente Diana nos últimos meses. No entanto, não sei como minha nadadora reagiria se soubesse da verdade assim como eu. Justamente por isso a amnésia é necessária. O esquecimento temporário possibilita que Diana olhe para Gabe sem a mágoa do passado e o veja de uma maneira mais acolhedora e menos rancorosa. Pelo menos é isso o que eu espero, porque mesmo que nos esqueçamos das vidas passadas, as sensações e a intuição delas permanecem no nosso inconsciente, e isso justifica o fato de nos sentirmos simpáticos de imediato de alguém assim como ao contrário.

Desperto do meu pequeno transe e encaro Gabe que, está com a mesma expressão perdida que me fitava assim que fugi da realidade. Por mais que quisesse, eu não conseguiria detestá-lo. Entendo que, aquele crápula que me atazanava, hoje é uma outra pessoa, muito mais evoluída, que se arrependeu e aprendeu com as dores, e isso faz com que eu o perdoe plenamente pelos erros cometidos, afinal, já dizem os cristãos, quem nunca falhou que atire a primeira pedra, só porque as pessoas pecam de uma forma diferente da sua, você não tem o poder de julgá-la porque não tem moral para isso. Eu sou a prova vívida disso. No entanto, não sei se Diana será capaz de pensar do jeito que eu, e utilizando o mesmo critério; não posso culpá-la, visto que cada um enxerga as coisas por um determinado ângulo. E a verdadeira justiça não é aplicada sob os sentimentos e os desejos humanos sempre baseados no egoísmo, mas um método que não estamos aptos a compreender.

— Gwen, você está legal? — Gabe insiste já que não esboço reação alguma. — Ficou pálida de repente! Não me responde!

— Ah, — passo a mão na testa para desconversar. — Estou ajudando nos resgates e na reestruturação da cidade desde cedo, nem me lembro se Diana e eu comemos alguma coisa — omito, porém essa parte é mesmo verdade.

— Diana? — seus olhos atentos demonstram curiosidade.

— É, minha namorada. Ela veio comigo de Nashville. Está colaborando com sua mãe.

— Hum, bem que suspeitei que você também gosta de garotas desde o colegial. Agora está explicado porque está tão bem...

— Bobo! — sorrio com as bochechas queimando feito brasas em contato com minha pele.

— Será que tem como almoçarmos todos juntos? Faço uma ideia de como anda essa bagunça.

— Podemos dar um jeitinho. Isso vai ser ótimo. Mas enquanto isso, me conta, e você está namorando? — pergunto empolgada em saber de sua vida pessoal após tanto tempo sem nos falarmos.

O Amor Na Balança ( Sáfico) Where stories live. Discover now