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Sabe quando tudo finalmente começa a fazer sentido na sua vida? A sensação é uma mistura de alívio e gratidão. Fico feliz que tenha me conscientizado antes de chegar no final da minha existência ou depois dela, quando a maioria das pessoas começam a refletir sobre seus erros e acertos. Agora entendo porque me lembrei daquela vaga parte da minha reencarnação passada. Eu estava cometendo os mesmos equívocos que inconscientemente gostaria de corrigir. Sim, ficou muito claro para mim que meus pais são os mesmos pais da minha outra existência, com a diferença “básica” de que meu pai reencarnou como minha mãe e minha madrasta como meu pai. Com certeza nós pedimos uma nova oportunidade de nos acertarmos nesta jornada mas falhamos miseravelmente, pelo menos por hora. Olho para Diana segurando minha mão enquanto caminhamos em direção a casa sem pressa alguma, trocando sorrisos confidentes. Diana está sendo como a ponte desse intermédio. Ela tem razão, eu preciso de um pouco mais de paciência e compreensão. Não posso exigir das pessoas que elas mudem na velocidade da luz assim como aconteceu comigo que bastou apenas um choque envolvendo um assassínio de alguém que eu amava no subconsciente para despertar para as verdades do espírito. Não dá para mudar o mundo como eu desejava quando era criança, temos que começar mudando a nós mesmos e só assim iniciar uma revolução no ambiente em que vivemos.

Assim que adentramos minha antiga casa, nos deparamos com meu pai, quer dizer, minha mãe procurando alguma coisa nos armários e na geladeira, os utensílios domésticos estão terrivelmente bagunçados e com as portas abertas enquanto escutamos um barulho irritante vindo do segundo andar.

— Passou um furacão por aqui dona Janet? — Diana é a primeira a reagir e fico surpresa com tamanha familiaridade. Então é verdade que uma alma reconhece a outra independente da capa carnal que usa. Como ela reagiria se soubesse tudo que sei?

— Ah, oh, — meu pai que hoje em dia está no papel de mãe encara Diana e logo depois eu. Seus olhos se arregalam de admiração. Óbvio que se fosse só eu aqui já teria ido embora, mas em seu olhar leio que está grata a minha namorada por ter me convencido a retornar. Porém ela não parece disposta a cutucar a ferida para não perder o clima menos desagradável. — Eu sinto muito. Não tem nada que não contenha carne e derivados nessa pocilga! — bufa visivelmente contrariada com as mãos na cintura e eu abro um sorrisinho de canto. Se fosse antigamente ela teria preparado algo dizendo que não tinha carne e derivados, eu teria acreditado, comido e vomitado logo em seguida assim que me desse conta da mentira. É um avanço ela admitir a realidade. Diana fez um pequeno milagre enquanto eu estive lá fora chorando as pitangas?!

— Tudo bem! Que tal irmos até o mercado e comprarmos algo decente? — sugiro e sou fitada com surpresa. — Eu sei que ele fica um tanto longe daqui mas eu vou morrer de fome não é? — argumento. — E além disso eu quero mostrar pra vocês que podemos ter uma refeição nutritiva sem precisar comer os pobres bichos. Faço questão de cozinhar.

— Eu acho uma excelente ideia! — Diana sorri mais animada do que eu e minha mãe. Vai ser uma boa chance de passar um tempinho com ela.

— Por mim tudo bem! — minha mãe concorda sorridente.

Escutamos um som de algo caindo lá em cima.

— O que é isso? Onde está minha madrasta? — Diana e minha mãe me fitam confusas e só então me dou conta do meu erro. Me apresso em me corrigir. — Pai! Onde está meu pai? Meu Deus, de onde foi que eu tirei madrasta? — dou um tapinha na minha própria testa e abro um sorrisinho forçado. Elas se satisfazem com minha performance aérea e eu suspiro aliviada internamente.

— Ah, ele está transferindo a cama de casal do quarto de hóspedes para seu quarto e colocando a sua cama de solteiro no quarto de hóspedes. Imaginamos que vocês queiram dormir juntinhas... — mamãe pisca de um jeito engraçado e eu me pego gargalhando imaginando meu pai, aquele francês machista e preconceituoso parcialmente modificado. Esse negócio de ocupar novos corpos e novos cenários pode ser bem hilário, principalmente para figuras orgulhosas que querendo ou não, são compelidos a desenvolver a humildade.

O Amor Na Balança ( Sáfico) Where stories live. Discover now