31 - Remorso

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Afonso não conseguiu dormir naquela noite apesar do cansaço. Nem sequer tentou. E sua cama permaneceu intocada. 

Os demais, ainda que estivessem sentindo a dor de sua morte, conseguiram descansar um pouco.

Quando o dia amanheceu, o jovem conde saiu de seu quarto deixando a porta aberta, seguindo para o final do jardim, onde encontrou os cachorros deitados no chão de terra gelada, aos pés do túmulo. Sentando-se entre eles, os acariciava, enquanto pensava na reviravolta que a sua vida teve por causa dela.

De longe, ele viu aos pouco, a casa sendo aberta e seus criados voltando à rotina. Mesmo que sem aquela alegria de sempre. E também percebeu quando Alvor ia de um em um, parecendo procurar por algo ou alguém. Mas ele não se deu conta de que era ele a quem Alvor procurava.

Mas ele queria ficar só. Embora isto não tenha sido de proposito, estava bom assim. De onde ele estava não dava para ser visto, porque as plantas o escondia.

Após alguns longos minutos, Alvor o encontrou.

— Senhor! Não faça isto! Está frio e no chão... irá sujar as suas roupas.

— Não me importo Alvor.

— Os cães também estão sujos! — Alvor quis tirá-los dali, mas antes que o tivesse tentado foi impedido por Afonso.

— Não! Deixe-os aqui comigo. Eu os entendo... Assim como eu, eles tiveram uma segunda chance quando ela os trouxe para cá.

— Senhor... Eu também gosto deles, mas são apenas cachorros. Não se compare a eles.

— Não estou me comparando a eles, apenas me refiro a mesma compaixão que tivemos da Condessa. Então choramos juntos a sua falta.

— Não permitirei que se jogue ao desprezo! Por favor, levante-se e me acompanhe.

Alvor olhou bem na face de Afonso e percebeu o quanto parecia cansado.

— Você conseguiu dormir? Pelo menos um pouco?

— Não... Vaguei a noite toda pela casa até o dia clarear e vim parar aqui.

— Venha comer alguma coisa.

Afonso começou a chorar, quando pensou que iria se sentara aquela mesa sozinho, e Alvor se ajoelhou abraçando seu senhor. tentando consola-lo

O jovem quis desabafar. Em meios às lágrimas se condenou.

— Ela estava tão feliz. Ela apenas queria ir à festa comigo, e como um egoísta eu disse não!

— Mas ela não foi, porque estava doente! Você não teve culpa.

— Não! Eu a aborreci com a minha teimosia e ela piorou.

— Você realmente não a conheceu por total, Afonso. Aquele rostinho delicado e tranquilo que a Condessa tinha, escondia a sua determinação quando ela queria algo. Você é o exemplo mais vivo disso. Realmente você não é o motivo dela não pode ir à festa!

Alvor conseguiu fazer com que o jovem tristonho se levantasse e o acompanhasse.

Já dentro da casa, ambos foram para a cozinha, onde foi servida uma porção de mingau para Afonso, que comeu bem pouco.

Alvor o levou para o quarto e o fez tirar aquelas roupas molhadas do sereno da manhã.

— Agora se deite e durma Afonso.

— Eu não tenho sono. — Insistiu em vão.

— Apenas se deite que o sono virá. — Alvor usou de sua autoridade de homem mais velho, e o fez se deitar. — Não desobedeça! Apenas me ousa, eu sei o que estou dizendo.

Dito e certo! Afonso ao deitar, ouvia Alvor falar sem prestar atenção ao que ele dizia. Seus olhos foram ficando pesados até que não aguentou mais e adormeceu.

— Graças aos céus você dormiu. — Alvor ficou aliviado ao vê-lo dormir. Retirou-se do quarto após fechar todas as janelas e cortinas, para que o quarto ficasse realmente escuro.

Afonso dormiu o dia inteiro e a noite, vindo a acordar somente no dia seguinte, quando o sol já estava alto.

Abriu os olhos com dificuldade. — Estou com sede. — Disse ele ao sentar-se na cama.

Vendo o quarto todo escuro pensou: — Para que este exagero de Alvor era só um breve descanso. Se bem que eu ainda tenho sono.

Levantou-se e foi até a janela para abri-las, puxou primeiro as cortinas depois o fez. Olhou para o jardim. Uma criança o avistou e correu em direção ao interior da casa. Ele ignorou a ação da criança.

Agora com o quarto claro, ele pode ver a mesa com uma jarra de água sobre ela. Aproximou e lentamente encheu o copo e bebeu.

Alguém bate na porta e ele disse: — Pode entrar!

Era Alvor, que foi avisado pela mesma criança de que ele já estava acordado.

— Bom dia senhor. Sente-se melhor, agora?

— Eu acho que uma hora de sono não foi o suficiente para me recuperar.

— Se acha que dormir durante o dia todo e a noite toda também, foi pouco. Você realmente está precisando dormir um pouco mais.

— O que disse?!

— Isso mesmo. Você está dormindo desde ontem.

— E por que perece que eu não dormir nada?

— Afonso, você precisa restaurar suas forças. E o travesseiro é o seu melhor amigo. Pode voltar para a cama agora.

— Eu realmente não me sinto bem.

— Pedirei para que tragam a sua refeição aqui. Deseja comer algo em especial?

— Apenas que não exagerem na porção. Não tenho fome. Mas tentarei comer, mesmo assim.

— Como queira.

Alvor fez como lhe foi solicitado e depois foi ver Fernão.

Quanto a Afonso. Este após comer um pouquinho voltou a dormir.

Fernão estava no estabulo como sempre, quando Alvor se aproximou.

— Fernão você tem um tempo para mim? Preciso falar com você.

— Sim. O que houve?

— É sobre Afonso.

— Como ele está?

— Melhor. Ele acabou de acordar comeu e voltou para a cama. Acho que não sairá do quarto por hoje.

— Está tão ruim assim?

— Bem. Eu esperava, que eu e você, que nunca iriamos nos conformar. Mas no final quem mais sentiu foi ele.

— Ela foi uma irmã que ele nunca teve. Foi quem lhe deu carinho e atenção e ainda o deixou rico!

— Isto é verdade. Ele tem muita gratidão por ela.

— Então me diga. O que você quer?

— Seria uma boa ideia para o Jovem Afonso, visitar o seu avô. O que acha?

— Claro! Isto é uma ideia maravilhosa. Nada como o amor de um parente, para alegrá-lo nesta hora.

— Então vou deixá-lo descansar um pouco mais, e lhe farei esta proposta.

— E eu o levarei aonde quer que seja com o maior prazer!

Fernão parabenizou Alvor pela boa ideia, com tapinhas em seu ombro e um largo sorriso.

O Fabricante de Bonecas (Finalizado)Onde histórias criam vida. Descubra agora