Prólogo: Sem Escolhas

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Prólogo: Sem escolha.

Fazia cerca de um mês que ele havia enfim derrotado Voldemort. Ele e seus amigos, obviamente, não podia ser ingrato. Um mês em que teve que lidar com um luto avassalador e a reconstrução de muitas coisas destruídas, fossem elas materiais ou intangíveis.

Nesse tempo, reatou o relacionamento com Gina —  por mais que não se sentisse exatamente feliz com isso — e convidara Andrômeda para morar consigo no casarão Black, assim poderia se manter o mais próximo possível do seu afilhado Teddy Lupin. Todos estavam andando com suas vidas e imaginavam que o salvador do mundo bruxo fazia o mesmo.

Mas a realidade dura e enfadonha era que Harry estava destruído.

Ele não entendia exatamente o por quê, mas realmente não conseguia respirar tranquilamente sem sentir dor no peito e a fragilidade avançar sob seus ossos. Vez ou outra uma lágrima solitária escorria por seu rosto ao notar que o afilhado, um metamorfomago igual a mãe, cresceria sem ninguém. Quer dizer, ele tinha Harry, de fato, mas o padrinho estava longe de ser um adulto responsável e a avó estava além da idade de uma figura parental.

Suspirou, colocando o casaco pesado numa cadeira largada dentro do quarto. Ele estava no Largo Grimmauld número 12, voltando de um longo dia em que ajudou ativamente na reconstrução de Hogwarts. A casa assumiu novamente aquele ar de abandonada já que o moreno não se importara em resolver toda a poeira acumulada nos cantos. Ele repetia mentalmente que assim que Teddy viesse morar consigo, ele daria um jeito de arrumar toda a bagunça, mas, por ora, somente ignoraria.

Caiu na cama que pertencera a Sirius com um baque surdo. Era difícil tentar compreender todos aqueles sentimentos. Se por um momento ficava feliz por ter derrotado o maior bruxo das trevas de todos os tempos, por outro a imagem de Snape sendo atacado por Nagini não saia de sua mente.

Se por um momento ficava animado por não ter mais o peso do mundo em suas costas, por outro via a família Weasley desolada pela morte de Fred e as cicatrizes muito profundas de Bill.

Se por sequer um único instante se permitia respirar aliviado, por outro via toda a destruição que aquela guerra causara.

E ainda tinha os surtos. Sim, Harry Potter estava surtando de quando em quando. A incapacidade de preencher o vazio que se apoderou de sua alma desde que matara Lorde Voldemort estava o levando a loucura. Ele acreditava piamente que ter um pedaço do homem em si desde que era bebê fizera sua própria alma criar um vínculo com o intruso e, quando Harry matou o outro, foi impossível que se sentisse totalmente completo novamente.

Ele não comentara isso com ninguém. Rony e Hermione estavam preocupados demais com seus próprios assuntos, brigando no relacionamento constantemente para decidir se iriam ou não retornar ao castelo para as aulas. E os outros, bom… ele não tinha mais seu padrinho nem Remus. E não seria capaz de ir conversar com os Weasley dado o momento desolado da família. Não queria tampouco falar com sua ruiva porque, bem, ela já vivera estresses demais para ter que se preocupar com seu namorado sentindo uma saudade estranha do homem que matou seu irmão preferido.

Harry se sentia sozinho.

Harry aparentemente sempre voltava a se sentir  sozinho.

Uma lágrima escorreu dos seus olhos quando o garoto lembrou da imagem de seus pais ao seu lado, pouco antes dele enfrentar Voldemort na floresta proibida. Não importaria quanto tempo passasse, ele continuaria sentindo falta do que não pôde ter. Falta de sua família. Falta de abraços calorosos. E normalmente essa carência vinha acompanhada da raiva que sentia pelo bruxo das trevas, para logo após, iniciar-se uma reprimenda por sentir esse vazio absurdo sem o homem ali para atazanar seus anos escolares.

A gotinha translúcida embaçou sua visão, fazendo o moreno retirar os óculos da face.

Pegando a varinha no criado mudo, Harry puxou um pequeno fio prateado da têmpora, jogando na bacia de pedra que ficava do outro lado da cama. Precisava esvaziar sua mente de qualquer jeito e a penseira parecia um bom método para isso, apesar de não ser exatamente tão eficaz.

No artefato diversas memórias se enroscavam, a maioria de momentos felizes demais para Harry, no seu estado de ânimo atual, suportar. Ele estava se tornando um colecionador de memórias, uma pessoa que não conseguia se desprender do passado e vivia com a cabeça imersa numa penseira, acusara Ginevra uma vez, logo após fazer o garoto prometer se livrar do objeto. Mas ele não pôde, ele precisava ter certeza de que nunca se esqueceria de alguns momentos. Parecia injusto demais fazer aquilo, parecia uma ofensa a todos que morreram por ele, a todos que morreram por sua causa. O mínimo que ele sentia poder fazer, era manter todos vivos através de suas lembranças e asseguraria que todas permanecessem na penseira, para que ele pudesse se embebedar delas vez ou outra durante as noites frias, pedindo perdão a cada um até que preenchesse o pedaço oco de sua alma e ele se sentisse menos monstruoso.

O menino que sobreviveu estava a ponto de se render ao sono finalmente quando ouviu um barulho leve no andar debaixo. A princípio sua mente cansada batalhava para acreditar que aquele som fora produzido pelo estalar de algum móvel velho ou pelo andar do também velho elfo doméstico da mansão Black, mas, quando a própria criatura apareceu com um POP do seu lado sussurrando a presença de um estranho, Harry levantou desesperado.

"Não, não, que não seja um comensal, que não seja um comensal", pensou, seguindo pé ante pé para fora do quarto, varinha em mãos, descendo lentamente a escada e reclamando mudamente quando os degraus rangiam sob suas solas.

O garoto mal teve tempo de fazer qualquer coisa quando a luz invadiu, cegando seus olhos.

"Se voldemort usasse truques que afetam a visão, ele ainda estaria vivo", Harry pensou, amargo, enquanto tentava retornar alguns degraus para sair da linha de ataque. A luz diminuiu, enquanto uma risada envergonhada cortava o ar.

Ficou em pé no último degrau, observando o homem a sua frente completamente perplexo. Era um garoto, mais velho do que a si certamente, mas ainda assim jovem demais. Possuía cabelos castanhos e finos que iam até seus ombros, olhos castanhos escuros e uma barba por fazer. Harry não conhecia aquele rosto de jeito nenhum, mas também não sentia como se aquele homem vestindo túnicas roxas chamativas fosse das trevas ou um comensal desgarrado.

Apertou melhor a varinha na mão só por segurança.

—Merlin, p… otter! Me desculpe, eu não queria assustá-lo — O estranho falou, balançando as mãos levemente. Ele parecia em completo deleite por ver o moreno e o mesmo não conseguiu evitar de aumentar mais levemente a guarda.

—Já me assustou. Quem é você e como entrou na minha casa? — Perguntou. Os dedos firmemente presos no pedaço de azevinho.

—Bom… isso eu não posso informar.

Expelliarmus! — Harry viu o homem dando um pulo pro lado, com um reflexo invejável. — Está na minha casa, se não disser quem é, então não tem conversa!

—Mas que coisa, Harry! — O homem reclamou, olhando em seguida para um relógio trouxa atado no pulso. — Droga, a chave de portal vai abrir em menos de um minuto. Eu calculei o tempo errado… imperdoável! Espero que na nossa viagem eu faça isso certo.

"Chave de portal? Viagem? Que que esse louco acha…".

Com a visão periférica viu uma luz vermelha vindo em sua direção, ele desviou, ficando prensado no corrimão da escada, mas a luz estranhamente parecia ter se dividido em duas, acertando-o mesmo assim. Era um bom uso do feitiço estupefaça, admitiu. O corpo foi caindo, suas costelas batendo agressivamente nos degraus de madeira. Harry amaldiçoou a vergonha que passara por ter um reflexo tão porco se comparado ao do homem, mesmo tendo acabado de passar por uma guerra. Sentiu seu corpo sendo levitado, e o puxão no umbigo garantiu que o estranho estava realmente levando ele através de uma chave de portal. Antes de tudo virar um turbilhão absurdo, ele ainda ouviu a voz forte sussurrar, muito próximo do seu corpo:

—Desculpe, Harry, mas dessa vez você está realmente sem escolha.

"Mas que merda! Por que tudo acontece logo comigo?", pensou, apagando enquanto era sugado para sabe-se lá onde.

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