Piloto

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Capítulo 01

Cinco anos depois

  Olho de um lado para o outro e atravesso a rua lotada, Irlanda nunca foi tão fria e cheia como agora está, estou atrasada para a reunião e ando entre pessoas como jogadores dribla com bola, só que minha jogada está dentro desta maleta. Noah não está comigo, está de férias visitando a mãe no Texas, preciso fazer tudo sozinha, desde que assumi tudo, Noah sempre esteve a me ajudar como ajudava a Simas, sempre que está fora me sinto só, ele é a única companhia confiável para mim, minha vida tem sido tão medíocre em tanto tempo, pelo menos tenho um gato.

 Meus saltos batucam no chão de madeira encerada, enquanto Finn fala ao meu ouvido sobre as próximas ações, paro meus passos me virando para ele e se cala de imediato.
  — Todos estão me esperando? — concorda e suspiro — deixe tudo sobre a minha mesa e me leve um café em vinte minutos, por favor?
  — Tudo bem, com licença — estou à frente da empresa há três anos e Finn tem sido uma peça ótima no meu jogo de xadrez, quando Noah não está, me ajuda muito. — Bom dia a todos e desculpa a demora. A neve não me deixou vir de carro — coloco a maleta sobre a mesa e abro pegando os papéis olhando-os.

  A reunião ocorreu bem, se trata de vender dois dos prédios para comprar uma área aonde iríamos construir três, e conseguimos, em breve as construções começam. Quando assumi a empresa fiz mais que apenas comprar, anunciar e vender, Noah disse que a empresa antes de Simas assumir só alugava as propriedades que já tinha, foi ele, Simas, que passou a comprar, anunciar, vender e alugar, agora estou construindo mais, para alugar mais, para vender mais, para lucrar mais. Também sou dona de um dos restaurantes do pai de Simas, duas das suas filhas estão com outros, e ambas são chefes de cozinha. Agora sentada nessa poltrona tomando um café e olhando a neve cair, respiro fundo, por anos me perguntei o que faria quando chegasse aos trinta anos, por anos imaginei uma vida em que seria a única mulher que seria possivelmente poderosa o bastante para morar no melhor prédio dessa cidade, e olha eu, dona de uma empresa, do meu próprio nariz e a primeira mulher a morar naquele prédio sem ser a esposa de um empresário. Claro que não vou ganhar nada com isso, acho que apenas eu me importo com essa informação mas, iria preferir mil vezes ser a mulher a morar com um empresário do que morar lá sozinha. Afasto os pensamentos e me viro para o computador onde resolvo desenhar os novos prédios e fazer plantas. Depois da faculdade que fiz enquanto Simas, assumia tudo na empresa e era meu marido, não pensei em nada mais depois da sua morte, aliás, ele sempre me manteve longe da vida suja que levava, agora assumi além da empresa legal, a ilegal também, demorou para que aprendesse a dominar o que Simas fazia, mas aprendi e não gosto nada de manter isso, entretanto, não sei como sair desse mundo, como dizia ele mesmo "não se sai de uma coisa assim". Se não fosse para assumir aqui talvez astronomia pelo simples fato de gostar do céu, gosto de olha-lo e tenho curiosidades, mas não planejo abandonar isso para tentar uma carreira do zero como operante na NASA. Tirando a possibilidade de ser uma física/cientista, não tenho nada a não ser isso. Acho que a maioria das pessoas na vida cursa alguma coisa que gosta, mas nem todas trabalham na sua aérea, não gosto da ideia deste trabalho, aceitei por James e Andréa e acima de tudo por Simas. No entanto, isso não é o que penso para minha vida, depois de um tempo você acostuma com os negócios, isso foi o que nunca cheguei a perguntar para Simas. Se ele amava o que fazia e o que o sustentava em luxo. Eu mesma, aceitei como um pagamento de dívida, como um agradecimento. Por esses anos todos pensei se realmente Simas foi minha liberdade, não voltei mais para o lugar que cresci, ganhei de repente tudo aquilo que queria conquistar, e ganhei de bandeja. De repente virei milionária, de repente tinha um trabalho, uma faculdade completa e milhões de passibilidades de estudar mais, outros abraçariam isso sem reclamar, mas, ao mesmo tempo que tudo isso era a resolução dos meus problemas, perdi o que seria o amor da minha vida, perdi o meu antigo eu e consequentemente sonhos que planejava. A minha vida tomou rumo conforme os acontecimentos, não conforme o que planejei antes, e não foi eu quem escreveu o meu futuro, foi uma pessoa que está presa agora, acusada de assassinato, perseguição e de não ser capaz de cuidar de si própria, essa pessoa que depende dos pais para viver e que foi diagnosticada com problemas mentais, mudou minha vida assim que puxou o gatilho e atirou oito vezes, matando o meu e o amor da vida dela, ela presa e eu também, em um círculo vicioso entre acordar, ir para o trabalho, voltar no fim de tarde, ir ao cemitério uma vez na semana, lamentar e ter pesadelos.

  Agora saindo da empresa para caminhar duas quadras no frio de matar, me pergunto se os anos vividos com ele foi onde realmente entreguei minha felicidade, ali ficou a minha antiga Dona, e nunca mais se ouviu falar dela. Fora Noah, a única pessoa que realmente me visita às vezes é Felipe, meu cunhado e o único que me aceitou fielmente na família, Felipe me amou e cuidou de mim como se fosse meu irmão, mesmo quando Simas estava vivo, ele e Noah, são os únicos que posso contar, pois sou sozinha, meus pais, nunca ouvi falar deles desde os meus sete anos e não preciso deles agora nem nunca. Chego e vou direto ao escritório, deixo todos os papéis assinados lá e faço uma cópia, coloco dentro de sacos e guardo no cofre, parada de frente a mesa me apoio sobre ela e suspiro. Logo a campainha soa. Olho para a sala onde não consigo olhar para a porta, cinco segundos se passam quando decido atender, está de noite e são cinco e meia, os saltos da minha bota ecoa pelo chão e logo abro a porta. Lá está Felipe, um ponto de paz.

  Coloco uísque em dois copos e levo até a sala, sorri para mim e segura o copo. Felipe está longe e não nos víamos a quase três meses. Depois da morte do seu irmão, Felipe assumiu uma parte do seu trabalho na máfia longe de mim, quando nos juntamos, é apenas para resolvemos esses negócios, como ele resolvia, temos aliados, converso com poucos deles, Felipe faz esse trabalho por mim, ele me ensinou boa parte das coisas já sou eu a pensar sozinha por tudo o que acontece. Simas não está aqui para ser meus olhos por outros ângulos.
  — Você está parecida com ele — diz não me olhando. De fato acho que o estilo de Simas caiu sobre mim. — Solitária com um gato, vestindo roupas formais demais para sua idade, cuidando de uma empresa maior que você, há só uma diferença entre vocês dois. Você não amou alguém que queria o que você tem como ele amou um dia, e essa pessoa tirou a vida dele — pensei que iria dizer que eu estava viva e ele não e isso é a realidade dolorosa demais para mim mesmo depois de anos.
  — Simas não se foi para mim Felipe — ele sorri.
  — Mas um dia ele irá e você perceberá que isso para você é paz, você se sentirá bem, aceitará isso. Não quer dizer que você o esqueceu, não, porém, você de certa forma seguiu com ele no seu coração. Ele te ensinou muitas coisas em meros sete anos, não foi? — me olha por fim, olhos vermelhos sem nenhuma lágrima cair.
  — Tantas — bebo todo o meu uísque e olho para o tempo fechado e a chuva de neve.
  — Bom, tenho que ir antes que a neve se intensifique, foi um sacrifício chegar a esse lugar. Adoraria ficar mais, passei aqui só para matar a saudades — de mim e dele, não é Felipe?

Dona O'Sullivan - Spin OffDove le storie prendono vita. Scoprilo ora