Anna

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Capítulo 12

  — Desde aquele maldito dia, a três anos atrás. — Estou sentada na minha cama no meu quarto, não sei quando cheguei aqui, mas Andréa parece cuidar de alguns ferimentos, não dormi, só pensei naquele maldito dia. Não houve enterro, pelo menos eu não compareci, não fui convidada, minha irmã adotiva Sasha estava morta, então tudo que tinha sobre o meu passado evaporou, sobrou só a mim, igual Simas, até ele havia evaporado.
  — Minha linda, não se perca. — uma risada sai da minha boca. — Você tem que tirar coisas do passado daqui, você tem que eliminar essas lembranças ruins, guarde apenas lembranças boas, que te façam sorrir, não crie imagens que irão distorcer as coisas. — Olho nos olhos de Andréa, ela me dizendo isso? Estou bêbada o bastante para ver alucinações?
  — Está vendo essa mulher? Você nunca mais verá aquela menina que casou com seu filho — que, aliás você odiava de todo o coração — aquela menina morreu com Simas. Eu aceitei, e agora aceite, eu sou amarga, fria, não vejo mais vida.
  — Não diga isso, você não é assim, você quis se transformar nis...
  — Não há mais nada — aceno deixando as últimas lágrimas caírem. — Cansei de ser forte, de tentar reconstruir minha vida! Me tornei isso, e aceito isso. — Tento me levantar. — Eu descobri quem era o filha da puta que manda aquelas merdas de flores — me apoio sobre a cama e a olho se levantar — Gargulho. Ele descobriu onde moro, onde trabalho e não demorará para voltar — parece confusa. — Pode ir para casa — começo a andar em direção ao outro quarto. — Não vou me matar. — Paro na porta olhando a bagunça, sinto uma pontada na cabeça, saco.
  — Gargulho é o homem que te contratou ao clube? O homem que Simas tinha conflitos? — aceno e a olho, respiro fundo e caminho para descer.
  — Não quero falar dele, ele destruiu minha vida, por causa dele perdi minha família, Sasha morreu, e nunca consegui ter uma vida normal depois daquele ano, até nos meus melhores momentos me lembrava dele — sento no sofá onde está o gato preguiçoso que nem levanta a cabeça só remexe as orelhas.
  — Anna e Harry estão lá em casa, perguntaram de você. Vou mandar notícias boas, mas por favor...
  — Não vou me matar Andréa — não a olho, meus olhos estão fechados e tenho as mãos neles, só ouço seu suspiro e logo os batuques dos seus saltos. A porta bate e por fim posso soltar um longo suspiro.

  Depois quem Andréa me encontrou naquela situação, se foram uma semana, logo voltei a trabalhar, limpei aquele quarto, doei tudo o que ainda era bom e mandei jogarem fora tudo aquilo de ruim, pintei-o de cores que remetia o bem. Hoje me encontro com Anna esposa de um dos aliados nosso, o seu último dia aqui decidiu se encontrar comigo na empresa, o fato que não tenho amigo nenhum além de Finn me faz ser uma completa solitária, isso me dá certa vergonha, não sei porquê.
  — Sente-se, por favor — a mesma se senta na poltrona de frente a mim — me desculpa não podemos sair para um café, a semana tem sido corrida, inicio da primavera, novos planejamentos. O que está achando da viagem?
  — Te entendo não se preocupe, antes de assumir uma empresa eu já convivia com a correria do meu marido e, agora entendo ele também — ela observa o escritório — você me remete a ele, te olhando, lembro muito do homem que conheci. Hoje depois do nosso filho ele totalmente é outra pessoa, a aposentadoria dele não durou muito mas, ajudou ele a se tornar uma pessoa "normal" se é que você me entende, e bom. A cidade é linda! Amo conhecer outros lugares, mesmo que seja a negócios. — Concordo com ela, o lápis que rodo entre os dedos, cai fazendo um mínimo barulho, respiro fundo, sou péssima com isso.
  — Nunca faço isso e me adianto em pedir desculpas, mas — meu corpo pende para frente e me apoio em meus cotovelos sobre a mesa olhando para a mulher a minha frente — Faz onze anos desde a última vez que visitei Londres Annastácia, desde a vez que nós tivemos que confiar em vocês, te confesso que achei que ali seria o fim, meu e do meu futuro esposo, eu era tão nova, tão ingênua e, três anos depois perdi ele. Até hoje o vejo, ele aparece para mim com imagens distorcidas, estou esquecendo quem ele era. O trabalho aqui. O trabalho sujo, estão me trazendo algum tipo de conforto e desconforto, o que você, como uma dama da máfia, me sugere. — O sorriso no rosto dela enquanto falo do meu sofrimento me dá vontade de surra-la e, ao mesmo tempo, curiosidade para saber o que tanto a faz sorri.
  — Você parece realmente com ele — para de dizer isso, eu não ligo — Dona, nós não somos pessoas diferentes das demais, tudo bem, matamos, torturamos, trabalhamos em coisas que as outras pessoas não trabalham, mas nós precisamos de médico quando estamos feridos, de remédio quando estamos doentes — o que ela quer dizer? — Harry passa por psicólogo a cada uma vez no mês, descarregar suas preocupações, dizer o que te atormenta, não te fará mal algum, pelo contrário, te trará a paz que você precisa para assumir uma empresa multimilionária e um negócio sujo que suja suas energias, por um mês até a próxima consulta. Muitas vezes fazemos coisas erradas por temos muitas outras na nossa cabeça para se preocupar. — Entendo seu sorriso, mas odeio ele, parece compaixão, pena, odeio essa sensação.

  Depois da nossa conversa e dela ter ido embora, repensei tudo o que disse, me deixou seu número de telefone, não que eu fosse ligar para ela e não que eu vá realmente passar por um psicólogo, mas achei necessário, algo no meu subconsciente me disse para fazê-lo e o fiz, aprendi a seguir minha intuição. No caminho para o cemitério em um fim de tarde, repensei a história do coveiro, ele é estranho e ainda estou relutante se estive ficando doida ou não. Paro em seu túmulo, olhando sua foto sorridente tento gravar o máximo isso, o homem que ele era, o homem que passei uma década ao lado, o homem que conheci.

  Todas às vezes que fiquei escondida olhando ele conversar com minha mãe, todas às vezes que vi ele indo embora, às vezes que dançamos juntos, no parque, em uma encruzilhada, na sala com pés descalços, dentro da piscina, no banho... Todos os beijos, todos os momentos, viagens, não estou pronta para deixá-lo ir, mas não quero ficar com o que não é ele. Simas não me causaria medo, não me deixaria triste, isso foi o que ele sempre evitou, ele quer me ver sorrir, quer que eu ponha uma taça de vinho e ponha nosso disco preferido, ele quer me ver dançar, quer me ver assistir o nosso filme preferido novamente e novamente e novamente, por tantas vezes seguidas. De repente deixei de ver Simas quando parei de fazer tudo o que fazíamos para tentar evitá-lo. Deixei de ir ao nosso restaurante preferido, guardei nossa sessão de filmes completa, não toquei na taça de vinho que tomavamos desde o ocorrido, oito anos fechada. Com esses pensamentos cheguei em casa, passei o pouco transito sem reclamar, tomei banho e me arrumei para a pior noite de todas. Preciso encontrar Georgina.

Dona O'Sullivan - Spin OffOnde histórias criam vida. Descubra agora