O tempo cura

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  Já faz três dias que estou aqui e pensei que não surtaria tão rápido. Que lugar chato, é rotineiro e fácil de ficar no tédio, preciso sair desse condomínio e realmente conhecer Londres, primeiro, preciso de um carro. Está frio, a manhã parece nebulosa lá fora, não consigo ver bem da cama, sinto o gato se aninhar embaixo das cobertas, respiro fundo. Ele disse que se vingaria, a princípio eu também tinha esses pensamentos, mas não poderia arriscar mata-la dentro daquele presídio cheio de homens de lei, seria descoberta, mas eis a questão iriam descobrir que eu era a Dona da empresa do homem que ela matou, ou a Dona mulher que participa da máfia irlandesa e inglesa, que matou homens, que sumiu com corpos e que colocou fogo neles todos? Viver duas personalidades requer ter uma ansiedade duplicada, pois, são mentes de pessoas diferentes, querer ter que entrar em um acordo com às duas personalidades, e as minhas não tem acordo nenhum. Pois, a Dona que o mundo conhece não iria querer perder seus negócios de milhões, e a Dona que o mundo da Máfia conhece, não viveria bem sabendo que a mulher que matou o seu homem, está viva e bem. Deveria deixar ela viver sua vida, já fazem anos e se ela enlouqueceu tanto assim, nem deve lembrar do rosto de Simas.

  A história daquela mulher não tem nada a ver com Simas, a obsessão por ele a fez o matar, tirou ele de mim, e eu quero vingan... Me assusto com um barulho lá fora, olho para a janela com o coração na mão, levanto com calma e espio através da cortina, um caminhão está descarregando algo para cá, um bando de coisas para festas, o que vai acontecer?

Desço as escadas agarrando o meu casaco e fechando ele entre meu corpo abraçando o mesmo, caminho até o hall da casa e Anna está lá dando ordens para os homens enquanto seu filho ajuda-os a pôr as coisas no lugar em que ela ordena. Quando me viro para voltar ouço meu nome.
  — Ah, bom dia, Dona! — incrivelmente sua voz me irrita.
  — Bom dia Anna — me viro pondo o melhor sorriso que posso no rosto.
  — Agora mesmo irei sair para comprar algumas coisas, quer ir comigo? Conhecemos a cidade — você está na minha mente? Estava realmente querendo fazer isso, mas sozinha na minha companhia.
  — Claro.

  Minha vida inteira, cresci num ambiente cheio de garotas, o resto da minha vida na qual vivi praticamente oito anos ao lado do homem vivo, também vivi repleta de pessoas ao meu redor, mesmo que odiasse a fama que ele tinha e o poder em suas mãos que o fazia ser daquela forma, isso o matou, agora quase seis anos depois da sua morte, eu passei a perceber que só vivi uma vida cheia de pessoas, porque outras pessoas me proporcionaram isso, por mim, eu não viveria com elas. Simas me mostrou como era ser famoso, hoje em dia continuo assim e isso me proporciona conviver com funcionários e outras pessoas que dependo para fazer a empresa andar, com minha mãe adotiva foi a mesma coisa, adotou tantas de nós e no fim morreu só e cada uma de nós nem sabemos mais onde está a outra, fico pensando se elas sabem que a Dona que cresceu com elas, sou eu, a mulher conhecida pela empresa construtora.
  — Amanhã é aniversário de Joaquim, dez anos acredita! Como o tempo passa — dez anos, já faz dez anos desde aquele acontecido que quase morremos por esse pirralho. O mundo da máfia é um porre, lutamos às vezes por coisas que nem vale a pena, nem tem valor, e quase morremos por causa desse menino, que foi sequestra por algo totalmente sem valor nenhum, por lutas que nem era deles e sim de antepassados. Me faz pensar que levamos as dores das pessoas e mesmo que não valha a pena, mesmo que nem precisamos mostra nosso valor ao falecido, queremos não vingar ou cumprir algo que ele não conseguiu. Não muda o fato que vou sim, matar aquela mulher.

  A cidade é boa, bem movimentada, é um lugar bom para passear com a família, com alguém especial, mas creio que pela noite, ela deve ser bela para quem carrega um vazio no peito, quero experimentar isso antes de ir embora. Compramos tanta coisa que o carro ficou lotado, não sei para que tanta coisa para uma festa, no final vai ser um gasto tão desnecessário. Não sei se estamos voltando, mas não paramos até agora, estou segurando o que seria "algo muito especial para Joaquim", o que aconteceria se isso caísse? Respiro fundo, estou sendo patética com o que é uma coisa importante para alguém, simplesmente estou sendo ridícula com essas pessoas por inveja! Não tenho vergonha de admitir isso para mim mesma, eu sei dos meus sentimentos, tento ver desprezo naquilo que sempre quis ter, e engano a mim mesma, desgostando do que um dia foi meu sonho, ao invés de tentar construir ele. A festa é importante para Joaquim, e a felicidade dele é importante para os pais dele, o presente que está em meus braços, pode ser o que ele aguardou por muito tempo, e estou simplesmente querendo desprezar tudo isso, porque esse era o meu sonho com Simas, se eu for odiar, desprezar e desgostar de tudo o que eu e ele planejou, só porque outras pessoas vivem meu sonho e eu não. Melhor eu me matar, pois, não vou me permitir viver, nem mesmo vou aguentar ver outras pessoas vivendo. O que é isso Dona? Então essa é a parte que as pessoas não falam? A parte no meio do "o tempo cura", a parte que você cai na real que ou vive, ou morre com aquilo que está te matando, então, quando você decide viver aquilo que sonhou com uma pessoa, ou que planejou viver e não conseguiu, é o famoso, seguir em frente? E com isso você passa a viver com aquilo? Como se vive sem o amor da sua vida? Como aceita que ele foi e você tem o direito de viver uma nova fase, sem ele? Respiro fundo e saio dos devaneios quando o carro para.
  — Está tudo bem? — olho nos olhos da moça, os meus logo desviam para o prédio atrás dela, o vidro levanta e ela sorri — aqui é onde trabalho, fiquei de pegar umas papeladas, quer subir comigo? — aceno que sim. — Você está bem Dona?
  — Sim — respondo de imediato engolindo em seco, não quero responder perguntas e formular mentirar, incrivelmente não conseguirei fazer uma frase convincente agora. Saímos do carro, deixo o presente no banco bem seguro e fecho a porta, ela tranca e começa a subir degraus. O prédio todo é em vidros pretos, não consigo ver o que tem dentro, é todo preto e parece que foi recém pintado, não há nenhuma marca de idade, parece que foi feito a alguns meses, poderia ser exagerada e até dizer que tem cheiro de tinta fresca, mas não é bem assim, o logo grande em roxo chama atenção para o nome da empresa, a quatro seguranças na porta quando chegamos perto.

  Por dentro é aconchegante o hall, o ambiente é claro mesmo com a estética de fora, um piso marmorizado em branco, deve ser horrível limpar isso, sofás cinzas para todo lado, a recepção é um balcão enorme com três recepcionistas vestidas de uniforme preto e roxo, vasos de plantas e dois elevadores em cor diferente, adentramos um com a porta branca, "acesso apenas para funcionários" é o que está escrito ao lado. Saímos em um escritório, enquanto caminhamos todos nos cumprimentam ninguém vai atrás de nós. Ao saímos das fileiras de gente sentada em cabines chegamos a um corredor longo, onde escuto batuques de teclado, ao viramos a direita uma sala quadrada, dois sofás brancos, uma mesa vazia e enorme com dois computadores em cima, no canto, duas portas de vidro preto. O molho de chave que tira da bolsa cai no chão e uma porta que eu não havia notado se abre.
  — Olá Anna, mil perdões estava pegando um café, querem? — Anna, esse rapaz tem uma intimidade com ela como Finn tem comigo.
  — Traz dois por favor — o homem concorda e entramos em seu escritório, bem bagunçado, parece que adentrei o seu quarto, a sua intimidade, corre até a sua mesa e recolhe alguns papeis colocando em uma pasta — preciso tirar esse final de semana para acabar isso e o recesso na escola de Joaquim está acabando — diz para mim, mas fala baixo como se não necessariamente estivesse falando comigo.

  Agora sim acho que voltamos para casa, isso custou a tarde inteira, já se vê o crepúsculo, o vento está ainda mais forte, parece que um forte temporal vem aí, que pena se estragar o grande dia, tudo isso será em vão, prefiro olhar para os céus e pedir a Deus para que o tempo de amanhã seja bom, ou todo esforço que fiz hoje será em vão, prefiro passar mais um dia fazendo caras e bocas para pessoas desconhecidas, a ter que passar por tudo isso de novo.

  A última coisa é colocada na sala e também deixo a caixa de balões, não sei para que tantos, o garoto está curioso olhando tudo, dez anos? Muito evoluído para essa idade, eu não daria esses números para ele! Ou estou começando a ultrapassar meu tempo, estou ficando velha, quase dou risada comigo mesma. Estou a me retirar para deitar com meu gato, pois é a única coisa que faço aqui, mas ouço meu nome ser chamado.
— Dona — meu nome parece dançar na sua língua, então volto a descer os degraus que já havia subido. — Tenho a resposta de Dantas. — Levanta o celular para mim e por motivos que acho bons, sorri.

Dona O'Sullivan - Spin OffTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon