O quarto

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Capítulo 08

Ao chegar em casa suspiro, meus olhos estão pesados, a neve quase não me deixou chegar, deveria ter arrumado a desculpa de "ficar em casa é mais seguro" e não ter ido para aquela reunião, todo ano a mesma coisa, ver como anda o negócio-da-família. A sala está escura demais, ao subir os degraus da escada vão se ascendendo, chego ao meu quarto e lá está a coisa mais gostosa da minha vida me esperando, ao me vê Joseph se espreguiça todo e me mostra a barriguinha peluda, jogo as peças de roupas para a poltrona e os sapatos também para um canto do quarto, sento a cama e afago o gato.

Sinto o cheiro do chá ficando pronto, termino o sanduíche e ponho o líquido fervente na xícara, pego meu notebook e coloco sobre minhas coxas, Joseph sobe no sofá e deita perto de meus pés começando um banho, deposito a xícara ao meu lado na mesa de centro e começo:

Aquele dia foi tão bom. Estava com o pé quebrado, mas insisti para ir com ele, para dançar de um pé só a noite inteira, para ver as estrelas, e nós dançamos, apagamos tudo a nossa volta e ficamos no nosso mundo, dançamos, nos divertimos e naquela noite fizemos amor, não estou falando de sexo, estou falando que aquilo era amor, amor de verdade. Simas transformou nossos anos em séculos, fez de meros anos uma eternidade, é o que acho, pois, as memórias que tenho daquele homem, são memórias de anos, em lugares diferentes, em momentos diferentes. A imagem que tenho dele em cinco anos, é uma assombração cheia de buracos sangrentos a sorrir para mim como um psicopata a me lembrar se não estou esquecendo de nada e estou, de como ele era antes daquele dia apavorador, antes de eu acordar no hospital com dois tiros, um de raspão pela minha costela e outro que atravessou meu ombro, antes de receber a notícia, não era impossível ele viver, se os tiros tivessem pegado nos lugares errados, um no coração, outro o rim, um no seu pulmão, dois no braço, um pegou de raspão no seu pescoço e o outro a sua têmpora. Se esses tiros o tivesse deixado paraplégico e não morto, eu estaria feliz, isso é um pensamento egoísta? Não sei, mas estaria com ele, ele estaria aqui, me pergunto se a morte é melhor que viver uma vida sobre uma cadeira de rodas, mas é uma vida! Ele se foi e perdi a minha também, não o culpo, não foi culpa dele morrer, mas foi me fazer apaixonar, Simas teve tudo para ser o meu príncipe encantado, tudo para me fazer feliz e fez só não para vida toda, imaginar o que seria de nós sem ele estar morto, me tortura, faz cinco anos, quatro que não abro aquela porta, quatro que assumi a sua empresa, quatro que eu o vejo em todos os cantos me assombrando, e faz cinco anos que não sonho, e lembrar como ele era, me fez tão bem que quase pensei que tudo foi um grande pesadelo e quando acordasse ele estaria aqui.

Tiro os óculos de grau e fecho o notebook levantando e tomando meu último gole de chá, são duas da manhã e hora de dormir, deixo o notebook de lado e pego o gato no colo o abraçando, subo as escadas e antes de virar o corredor, olho o quarto no começo dele, respiro fundo e vejo uma sombra passar embaixo da porta, assustada entro rapidamente para o meu, coloco Joseph ao chão que corre para a vidraça para olhar a neve, deito na cama e as luzes vão se apagando aos poucos, igualmente a mim que vou pegando no sono, a última coisa que sinto são patas andando por cima dos meus pés.

Acordei meio-dia, tomei um banho quente na companhia do gato sonolento sentado à pia do banheiro, tomei café da manhã assistindo Brooklyn 99 e assim que acabo, resolvo ir ao quarto com meu notebook para me programar para viagens, antes de nem sequer fazer algo pensado o telefone toca. Desço as escadas rápido e atendo.
- Senhora O'Sullivan? - não é Austin hoje.
- Boa tarde Jason.
- Boa tarde, há flores aqui na portaria para a senhora. Acabaram de entregar - incrédula com a persistência desse indivíduo meus olhos estão nas rosas no escritório.
- Vou buscar Jason, em minutos estou aí. - Desligo. Quem será? Mais que droga! O que mais me deixa irritada é não saber.

Desço no elevador, minha unha batucando o metal enquanto tento me acalmar, de nada serve a minha fúria, não sei quem é o homem que manda isso, nem mesmo sei porque estou recebendo, mas já está me irritando.
- Aqui senhora - Jason sorri para mim me entregando o buquê de rosas amarelas agora.
- Obrigado Jason. Você viu quem era o homem? - parece pensativo.
- Não dava para reconhecer muito pelas roupas de inverno, mas ele era alto e usava boné, aparentemente maduro - tento formar a figura de alguém na minha cabeça, ninguém.
- Obrigada - sorrio e chamo o elevador novamente, olho essas rosas sentindo o cheiro, meu estômago embrulha novamente.

Entro no apartamento jogando o buquê para o balcão e pegando o cartão, antes de ler a coisa escrota escrita, percebo o celular e tocando em algum lugar, no escritório talvez, reviro os olhos e começo a ir atrás do toque rapidamente, um trovão estronda tudo e a vidraça vibra e me assusto sussurrando um "merda".
- Alô, Andréa? - seguro o celular e volto a sala tentando ler o cartão.
- Oi querida, tudo bem?

"Dance, dance sem parar
Sorria, sorria sem exitar
Até o topo sem se envergonhar."

Que diab...
- Dona?
- Oi Andréa desculpe, é-é sim estou bem... tirando o fato da minha casa está cheirando a cemitério - ouço sua risada sem humor.
- Por que isso? - me jogo ao sofá suspirando.
- Tem alguém me mandando flores, um idiota - demora a responder.
- Isso é ótimo, querida - olho o telefone como se tivesse olhando em seus olhos, incrédula - um amor par...
- Não quero ninguém e isso não é para eu me apaixonar ou sei lá, está estranho Andrea. Cartões sem pé nem cabeça, nada de romantismo, se fosse um admirador saberia que odeio flores - ouço seu suspiro. - Está mandando para me irritar, o que houve com o pessoal de ontem?
- Querida, por uma vez na vida pare de desconfiar, não seja tão fria, você vai ter que amar alguém um dia - nunca. - Estamos tentando descobrir quem fez aquilo - ainda?
- Vou descobrir quem é Andréa e se estiver a ver com o acontecido de ontem, estão nos marcando.

Dona O'Sullivan - Spin OffWhere stories live. Discover now