Memórias

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 Capítulo 04

  Começamos a colocar a mesa para o jantar, a chuva lá fora está forte e estou preocupada com Joseph, é quando sinto meu celular vibrar e vejo a mensagem de Nora, minha governanta, cuidou de Joseph e vai dormir lá em casa, nessa tempestade não dá para sair de jeito nenhum. Finn se senta junto a mim e me olha sorrindo.
  — Me permite uma coisa? Não sei se posso tocar nesse assunto ou se ainda é... — o interrompo com um aceno e digo para que vá logo ao assunto — bom. Foi tão — parece querer saber a palavra certa a se dizer — difícil para todos nós, ver Simas sair todo feliz em um dia e voltar seu pai no outro — todo feliz? Obrigado, mas uma informação para imaginar como era sair da empresa feliz por me ter na sua casa. — Não que ter seu pai conosco era ruim, mas nós...
  — Amavam o chefe de vocês — o mesmo me olha e acena um sim enquanto come o macarrão. Olho para o meu prato e depois para ele. — Você quer que eu conte como nos conhecemos? Você quer que eu fale o que era antes de nos conhecermos? Você tem ideia mais ou menos o que eu era?
  — Bom, você provavelmente seria uma universitária, mais nova que ele com certeza, mas nem tanto — sorrio com essa última observação, já Finn parece analisar porque estou sorrindo e isso o deixa desconfortável.
  — Era orfã, dividia a casa com outras cinco meninas e a minha mão adotiva, era striper — Finn se engasga com o suco enquanto fico vendo sua cena horrível parecendo um peixe fora d'água, seus olhos estão marejados por constante tosse enquanto mastigo — e eu tinha dezessete anos quando o conheci — seus olhos se arregalam. — Simas me encontrou em um club uma vez e ficou furioso, ameaçou contar para minha mãe e eu o implorei pela vida que ele não disesse, ela não sabia que a fonte de renda era através daquilo, se decepcionaria, e para Simas ela era tudo não parecia bom para ele vê-la triste.
 "— Por favor, senhor não conte a ela — caio de joelhos aos seus pés — ficaria tão decepcionada comigo, tão triste e não olharia na minha cara mais, por favor, essa é a nossa única fonte de renda. — Estou me humilhando nos pés do homem que eu nem queria olhar em todos os dias que ele visitava minha mãe, tinha tanta vergonha dele, por parte por admirá-lo e por me apaixonar, tão errado, ele pode ser namorado dela.
— Levante-se daí, não contarei a ela, todavia, trabalhará em outro lugar, mais digno para sua idade. — Concordei com ele, mesmo sabendo que nenhum outro lugar me aceitaria.
No carro dele íamos para casa, a desculpa para chegamos juntos, é que havia me encontrado voltando sozinha. Menti para ela dizendo que meu trabalho era digno, mas não menti em relação de ser longe, encontrei o local mais longe que eu pude, para que ninguém me conhecesse nem mesmo ela me visse, um dos locais mais podres da Irlanda, local de vergonha para qualquer mãe, sentada no seu carro a ver as ruas sombrias, um medo avassalador toma conta do meu corpo, como consigo ir embora tão tarde por essas ruas? Abraço meu corpo num modo de me proteger de algo imaginário, olho para o homem ao meu lado e está sério, agora posso vê-lo atentamente, cabelos loiros jogados para trás, olhos verdes quase cinzas, uma pele avermelhada e sardas, realmente, irlandês, um porte forte, alguns anos mais velho, nem tantos e, nem poucos, deve ter vinte e seis, quase dez anos a mais que eu. Me deixou em casa e se despediu dela, a olhei, um sorriso no rosto tão inocente."

  — Ela nunca soube? — aceno que não.
  — O conheci aos dezessete, fui embora com ele depois de seis meses desse acontecido, aos vinte anos me casei com ele, tinha trinta, um ano antes ele havia assumido a empresa — Finn concorda — cinco anos depois do nosso casamento o mataram, já se faz cinco anos desde a sua morte, daqui um mês ele faria quarenta anos, dá para pensar o tanto que vivemos? Hoje tenho trinta, e parece que sou a mesma menina de dezessete que ele encontrou naquele clube, perdida, apenas sobrevivendo — desta vez toma seu suco de limão com calma. — No começo nunca pensei que o amaria tanto e chegaria a um ponto tão alto do nosso relacionamento como ele fazer um testamento sem eu saber, que tudo era meu, depois que minha mãe adotiva morreu, cada uma das meninas que estiveram comigo, cresceram ao meu lado, foi para um canto do mundo, nunca mais tive contato com elas.
  — Viveu oito anos com ele — parece pensar nos momentos que passamos juntos. As danças, os jantares, as noites de amor, as viagens, as risadas até as brigas.
  — Não — me olha surpreso pela discordância — estamos juntos a treze anos, ele ainda está vivo para mim Finn, isso nunca será mudado — suspiro acabando a minha comida de uma vez, o que nos fez ficar vários minutos calados, tomo o suco e me levanto com nossos pratos. Antes que proteste já estou a pia — antes de eu ser uma milionária que teve sorte de viver com um milionário que deixou tudo para ela, eu era só uma criança com medo e assustada, assombrada pelo passado horrível, pelos pesadelos dos pais a deixando numa porta de um desconhecido que faleceu logo depois me deixando com a esposa velha. Eu não tive tempo de nada, depois da sua morte e do meu luto fui destinada a milhões de trabalhos que eu era acostumada a ver ele fazer, minha vida tomou rumo sozinha, meu futuro foi modificado, mas o meu destino era esse de qualquer forma, com Simas ou sem, você pode mudar o seu futuro, não o seu destino — sorri para ele terminando a louça, está escorado no balcão tomando uma bebida, seco minhas mãos e atravesso a cozinha para ir para o quarto — boa noite Finn — fecho a porta assim que escuto sua resposta baixa e encaro minha cama.

  Na cama a mais de duas horas sem pregar os olhos, olho para o teto, ouço o ronco de Finn daqui, mas não consigo dormir pelo seu ronco, estou mergulhada em lembranças como sempre faço antes de consegui finalmente pegar no sono. Desta vez a chuva que cai lá fora me faz lembrar-se do dia em que passamos um dia completo em casa aproveitando a chuva e nós mesmos, na nossa dança a noite, nas nossas trocas de carinhos, lembro que um dia antes de tudo aquilo Violeta havia me ameaçado, mas acabou atirando oito vezes contra ele, não contra mim, preferia mil vezes que fosse no meu peito e não no dele, a vida teria feito mais sentido. Não é junto você vê todos que ama morrer, e você continuar para sentir a dor.

"Foi uma ótima viagem. Sorrio para ele e paramos em frente ao nosso lar, me segura e me beija antes de saímos do carro, e então eu ouço os disparos. Com o impacto caio ao chão e volto para a superfície em um mundo diferente. Ainda estou em frente ao prédio, a poça de sangue de Simas ainda está fresca, mas o mundo está preto e branco. Giro em trezentos e sessenta graus, mas paro nos duzentos e setenta quando vejo um homem caminhando em minha direção, quando chega mais perto consigo ver os buracos no seu corpo e então dou passos para trás, paro quando sinto um corpo atrás de mim e mãos nos meus ombros. Olho-as com sangue, e chorosa me viro para o homem que sorri, sangue nos dentes e olhos vazios.
  — Não fuja do seu destino, pequena".

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