XV - Me salve.

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Os primeiros raios de sol alvoreciam timidamente no horizonte, enquanto Hanako e Yashiro caminhavam juntos em silêncio. Haviam acabado de deixar Aoi no hospital com Kou e ele, por sua vez, seguiu um caminho diferente do deles, alegando sair à procura de Mitsuba. 

Vez ou outra, Hanako lidava com um espírito errante que ameaçava retirar a ordem do caminho no qual cruzavam. Apesar de já estarem em considerável paz, ele não conseguia deixar de provar de um sentimento curiosamente novo e intrigante, o qual não conseguia identificar: um incômodo por aquele desfecho. Sentia que Sumire não deveria ter recebido a piedade de ser salva. Pior ainda: salva por Yashiro! Yashiro, a sua própria sacerdotisa! Ela estava salvando outros espíritos que não eram ele e aquilo o fazia sentir-se traído. Apesar de não saber do que se tratava, sabia que esse sentimento era ridiculamente amargo e mesquinho.

Yashiro estava nervosa, seus pensamentos prendiam ansiosas palavras em sua garganta. Queria conversar com Hanako sobre…

Mordeu o lábio inferior, respirando fundo e concluindo a si mesma:

Queria conversar sobre tudo. E o faria.

Enquanto estava em seu sono profundo, seus “devaneios” haviam levado-na ao passado de Hanako. Sua história, crua e presenciada. E aquela “visita” havia formulado mil e uma perguntas que ela não sabia responder. Desde que saíram do hospital e Nene havia confirmado que sua amiga ficaria bem, a imagem de Sumire se redimindo não havia saído de sua cabeça e ela não conseguiu parar de se perguntar: poderia Hanako também se redimir daquela forma? 

Ela poderia salvá-lo também?

— Queria salvá-lo — Sem nem perceber, pensou alto. 

E seu pensamento sussurrado foi bem audível para Hanako, que parou seus passos no mesmo instante. 

Nene arregalou os olhos e tocou seus lábios quando percebeu que falou alto demais.

Uma brisa veronil soprou, chacoalhando as árvores que preenchiam a pequena estrada asfaltada que estava além dos portões de ferro, os quais eram bem reconhecidos por ela.

Haviam chegado na entrada do cemitério. 

— Me… Salvar? — Hanako sussurrou com a voz falha, como se a simples menção daquilo partisse-lhe ao meio. Colocou as mãos nos bolsos e passou pelas grades negras como se elas sequer existissem. 

Nene o seguiu sem pensar duas vezes; empurrou as grandiosas comportas do local e cobriu seu corpo, pois aquela brisa fazia doer seus pés descalços. Apesar de estar com a capa negra dele e a camisa de botões azul de Kou, que havia ficado extremamente longa pela visível diferença de altura entre eles, seus pelos ainda eriçaram quando os ventos davam-lhe “bom dia”, acariciando sua pele.

Eles continuaram andando e percorreram todo o caminho em silêncio até chegarem ao local onde tudo começara: o antigo túmulo escondido, que havia sido esquecido por todos durante séculos. 

Hanako virou e, por alguns segundos, observou a mulher ofegante à sua frente pela caminhada extensa. A expressão determinada no rosto dela denunciava seus pensamentos. 

Contrariando toda e qualquer lógica que achava ter, ele apenas sentou-se na elevação térrea coberta pela grama esmeralda e apoiou o braço esquerdo em seu joelho. 

Não conseguia olhá-la. Sua mente poderia estar conflituosa, mas não ensandecida. Não queria contaminar aquela determinação com seu olhar impuro. Olhar esse, que foi corrompido pelo pior que já pôde existir.

Nene percebeu isso e sentou ao lado dele, observando o crepúsculo rasgar os tons azulados do céu, dando lugar à estrela incandescente. E, naquele momento, seus olhos abriram levemente em surpresa. Havia lembrado de algo. 

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficWhere stories live. Discover now