VI - Carta.

384 52 7
                                    

— Kou, você é ótimo na cozinha! — Yashiro disse, batendo palminhas ao provar o cozido que haviam feito juntos.

— Eu só sou um pouco esforçado — Disse, tirando o avental. 

Já faziam alguns dias que estudavam juntos e os exames avaliativos de Kou estavam próximos. Não era difícil ensiná-lo, pois ele tinha interesse o suficiente para entender rapidamente. Também não era difícil se encontrarem: eram vizinhos. Eles combinaram, longe dos olhos de Teru, que Yashiro ajudaria Kou e, em consequência, voltariam juntos após as aulas. Ela teve alguns problemas com alguns indivíduos ultimamente e achou que seria mais seguro assim. Era cômodo para ambos, no fim das contas.

Jantaram juntos e Yashiro voltou para seu apartamento logo após. Tirou o uniforme da padaria na qual trabalhava e tomou um banho para relaxar, estava se sentindo bem naquele dia. Passou até seu hidratante mais cheiroso. Colocou um pequeno short, uma camiseta folgada e deitou-se em sua cama, ligando o pequeno televisor de seu quarto. A programação mostrava um filme de romance, um dos quais ela adorava. Assistiu alguns minutos e preferiu desligá-lo, pois acabou adormecendo em seu decorrer. 

As cortinas de sua janela balançavam-se suavemente com a brisa fria: havia esquecido de fechá-la.

Não muito longe dali, Hanako estava sentado no telhado de uma casa, observando-a. Atentou-se ao redor e decidiu arriscar. Era apenas uma carta, seria rápido. 

Desceu e entrou vagarosamente pela janela. Tentou ao máximo não acordá-la, pois ela parecia bem cansada.

Colocou a carta na escrivaninha, olhando-a com o canto dos olhos. 

A lua brilhava sob' sua expressão suave, tornando-a angelical. Ele sabia que não poderia ficar por mais tempo, ou poria Yashiro em uma situação desagradável. Mas era impossível apenas ignorá-la.

Aproximou-se e agachou perto de seu rosto. A pequena franja loira estava bagunçada e parecia deixar sua testa bem maior do que o usual. Soltou uma risadinha de tal pensamento, acariciando com seu polegar a bochecha de Yashiro, onde havia posto sua jura de proteção.

Surpreendeu-se quando ela tocou-o delicadamente a mão. Ficou receoso em tê-la acordado, parando de mover seu polegar no mesmo instante.

A expressão dela mudou, parecia que algo doía. Hanako observou ao redor, vendo que o vento noturno adentrava em seu quarto. Ela deveria estar com frio. 

Frio...

Lembrava-se com exatidão de como era doloroso. 

Deu um sorrisinho, soltando-a cuidadosamente e cobrindo-a com suas cobertas. Ergueu-se e respirou fundo. Hora de ir.

Antes que saísse, olhou mais uma vez para Yashiro. Seus olhos cor-de-ouro fitavam-na, enquanto dúvidas incessantes circulavam em sua cabeça. Deveria deixá-la? Tinha de ficar e protegê-la de quem quer que estivesse próximo. Mas seria sensato? Sua presença atrairia ainda mais perigo. Yashiro foi a única chance que teve de sair de seu desespero, ela o salvou depois de todas aquelas décadas tendo sua alma sugada pela escuridão infinita. Todas as décadas as quais fora esquecido. Nene foi a única em anos que arriscou a própria vida quando recorreu a ele e aquela determinação que emanava dela Hanako jamais vira em alguém. 

Cerrou seus punhos, sentindo-se um covarde. Era a primeira vez que experimentava esse sentimento, e não havia gostado nem um pouco. Ele sabia que Yashiro não era indefesa. Porém, ela lutar contra o sobrenatural estava fora de cogitação no momento. 

Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz, que gritou do estacionamento. 

— Sabia que viria, demônio — Hanako observou o rapaz loiro, que apontava um cajado sagrado para si. O mesmo que, séculos atrás, selou-o naquele maldito túmulo. 

— Ora, ora… — Saltou da janela de Yashiro, flutuando até ele. — Então é você quem tem estado com ela? — Ergueu o rosto, olhando-o com escárnio. — Jovem Mi-na-mo-to — Falou seu sobrenome pausadamente, como se quisesse confirmar a si mesmo que era exatamente aquele. 

Kou arregalou os olhos: a janela de Yashiro estava aberta. Que ligação ela teria com ele para que entrasse dessa forma em sua casa? Ele podia jurar que colocou um selo de proteção na porta dela. Teria sido Nene sua próxima vítima? Então era por isso que Teru mandou vigiá-la? Deveria tê-la protegido!

Olhou profundamente nos olhos malignos do homem à sua frente. Ele sorria perversamente. 

— Olha, guri… — Passou suas mãos em seus cabelos, suspirando — Eu não quero te machucar sem motivos, seria covarde da minha parte — Olhou para o chão acimentado, sentindo o peso de suas próprias palavras. "Covarde".

— Pelo orgulho que carrego em meu nome, eu, Minamoto Kou, exorcizo-te, espírito imundo! E expulso-te dessa terra! — Apontou o cajado para Hanako, atirando violentas rajadas de energia em sua direção.

As descargas acertaram-no em cheio, pois ele não moveu um músculo para escapar.  

Uma cortina de poeira levantou-se, dificultando a visão. Afinal, algumas superfícies foram danificadas, assim como alguns carros que ali estavam. Ora, talvez Kou fosse dar trabalho ao seu síndico. 

O vento frio soprou a poeira, mostrando-lhe a silhueta imóvel de Hanako. Kou correu até onde ele estava, dando um golpe com seu cajado no... Piso?

Arregalou seus olhos ao perceber que o demônio havia desaparecido em menos de um piscar. Era muito rápido. 

Sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha e deu, instintivamente, um golpe cego às suas costas. 

E estando atrás de Kou, Hanako segurou seu cajado e apontou a faca em direção ao seu pescoço. 

Kou suava frio, com os olhos arregalados. 

— Você teve sorte, guri — Tocou rapidamente a testa dele com o indicador, fazendo-o desacordar no mesmo momento e cair no chão. Olhou para a janela de Yashiro: ela estava lá e, ainda por cima, havia assistido todo aquele pequeno conflito. As mãos cobrindo a boca denunciavam seu espanto. 

Mesmo de longe, ele conseguiu ver medo em seus olhos avermelhados. 

Olhou para o chão acidentado e soltou um suspiro de reprovação. Talvez a Kou, que fora imprudente em suas ações. Ou, talvez a si mesmo, que teria matado-o ali se ela não aparecesse. 

Não queria que o mesmo rosto angelical que vira minutos atrás estivesse apavorado por sua causa, tal como os rostos horrorizados das almas que consumira tempos atrás. 

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora