XIV - Afeto verdadeiro.

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Aqueles olhos vermelhos, vazios e inexpressivos uniam-se à melancólica imagem da mulher nua, submersa em uma grande esfera de cristal. Sua pele estava pálida, clara como a luz da lua. Seus lábios entreabertos pareciam mortificá-la cada vez mais, à medida que se olhava e o tempo ali passava.

Hanako não se importava, certo? Se não, por que essa imagem parecia perfurar seus olhos como uma navalha afiada?

Aquela não era a Yashiro que conhecia. Aquela Yashiro parecia…

Morta.

Por esse motivo, apontava sua faca para a sereia “Sumire” neste momento.

Mantinha firmado o pensamento de que, caso eliminasse Sumire, eliminaria a raiz do problema. Yashiro não seria mais amaldiçoada e seu desejo seria realizado. Mas, por uma razão, aquela luta estava se estendendo mais do que deveria:

Ele não queria mais realizar o desejo dela.

Apesar de que ela nunca deixaria de ser sua sacerdotisa, algo apertou em seu peito. Era seu dever, ali e agora, cumprir sua parte do contrato. Por que estava tão relutante?

Ele observou mais uma vez aquela imagem fúnebre e apertou sua faca contra a garganta da garota de cabelos negros que prensava contra a parede, procurando forças para encravar a lâmina na carne alva dela. Um pequeno filete de sangue estava se tornando o resultado daquele contato, antes que Kou viesse com Yashiro em seus braços.

— Hanako! — Ele gritou, enquanto apoiava-se em uma das janelas do castelo. Fazia menção de sair, mas Hanako não moveu um músculo.

— Seu amigo já vai sair com sua garota — Aoi deu um sorrisinho de canto. — Já tem tudo o que quer, não precisamos machucar nin… — Sua frase foi interrompida por um golpe em seu estômago, que a fez vomitar sangue.

Kou arregalou os olhos, horrorizado com aquela violência. Sabia que aquela era a melhor amiga de Yashiro, por mais que a situação não estivesse totalmente esclarecida. O que ele estava fazendo?

— Saia, Sumire — Hanako ordenou, empurrando o pescoço de Aoi com seu braço. Seu uniforme preto ainda estava manchado com o sangue que ela havia provocado. — Ou eu matarei seu último receptáculo — Ele deu um sorriso de canto, mostrando a face imunda de seu espírito carniceiro.— Eu sei que essa garota é infértil e não pode dar continuidade à sua descendência, por isso planejava substituí-la pela minha sacerdotisa.

Quando ele vira o desespero de Sumire através das reações de Aoi, sua êxtase jubilosa aumentara inexplicavelmente.

Estava sendo divertido.

Logo, o corpo de Aoi desfaleceu no chão e uma garota similar permaneceu prensada à parede pelo braço de Hanako. Sua imagem era incandescente, o que contrastou logo no primeiro segundo com a aura obscura do espírito assassino; Ela possuía uma longa cauda fina, parcialmente consumida pela necrólise. Os ossos de suas pernas humanas estavam encobertos pelo couro dessa cauda, constituído de escamas secas.

— Você não pode me matar, Hanako.  — Ela gritou, enrolando-o em sua cauda e prendendo-o. Os restos do que antes foram os ossos das pernas de Sumire foram esmigalhados pela pressão que ela pôs nele. — Você não sabe a minha história real e não tem o poder para se envolver nas minhas ambições! Você não sabe o quanto eu sofri! Você não sentiu o que eu senti, seu maldito! Imprestável! — Lágrimas de uma espécie de musgo escuro desciam por seu rosto. Seu corpo começava a tomar uma forma diferente daquele espírito iluminado: as escamas secas encobriram toda a sua pele e apagaram seu brilho, ossos afiados projetaram-se de sua coluna e sua boca, que se estendia de orelha à orelha, com dentes afiados, condecorou seu rosto com o mais puro escárnio.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora