VIII - Brilho lascivo.

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— Aquela carta… — Yashiro pensava, enquanto atravessava a rua em direção à pequena padaria na qual trabalhava. — Eu não sei exatamente o que é um Haku-joudai, mas espero que aquele sangue todo não seja em vão — Apertou o curativo em seu braço, lembrando da mania estranha que Hanako tinha de ingerí-lo e abriu a porta, batendo o pequeno sininho que indicava o início de sua jornada diária. 

As cinco horas do seu expediente passaram lentamente. Foram cansativas e entendiantes, o mesmo de sempre: passar os produtos na máquina, guardá-los na sacola, receber o pagamento, sorrir e entregar ao cliente, desejando um "bom dia, boa noite, boa tarde" ou seja lá qual horário for. E o som irritante do sininho que sempre tocava quando alguém entrava ecoava em sua cabeça, fazendo-a querer tapar seus ouvidos.

Os últimos clientes já desocupavam as mesas e pagavam as contas em seu caixa. Compravam algumas miudezas, comentavam sobre um assunto aleatório ou, simplesmente, saíam em silêncio. 

O local já estaria vazio se não fossem ela e seu novo colega de trabalho: Hyuuga Natsuhiko. Ruivo, corpo sarado, olhos escuros e, provavelmente, ele deveria gostar de surfar. Já que tinha um notório bronzeado e usava as pulseiras artesanais que vendiam na praia da cidade em seu braço. Ainda não havia apresentado-se a ele, porém não é como se fosse ter coragem. O "bloqueio para caras gatos" que havia criado, de acordo com Aoi, impedia-na de investir em um simples "Bom dia".

Esse receio de ser rejeitada tinha uma ótima justificativa: suas pernas eram enormes, gordíssimas. Muitos dos seus antigos paqueras rejeitaram-na justamente por conta desse infame quesito. E, como se não fosse o suficiente rejeitarem-na, faziam questão de esfregar em seu rosto o quão "ridículo aquilo era".

Lembrar de tais episódios fazia seus olhos arderem. Apertou o uniforme em seu peito, limpando com suas mangas as lágrimas que ameaçavam cair. 

"Iguais um rabanete"

"Então você quem é a famosa cadela-rabanete?"

Era deplorável ainda incomodar-se com os apelidos maldosos que recebera durante o colegial. Mas, ninguém além de Aoi havia dito o contrário deles. 

— Me pergunto quem vai te substituir quando ficar de férias — O homem de cabelos escuros deu um sorriso radiante para Yashiro, e ela sorriu de volta, tentando ao máximo recompôr-se. Não era adequado chorar na frente de seu chefe.

— Não se preocupe, senhor Misaki — Suspirou, ainda fungando o nariz que havia ficado constipado com o breve momento melancólico. — Ele é novato, mas acho que dá conta — Olhou para Natsuhiko, que ao perceber que ambos observavam-no, parou de limpar as mesas, abriu um sorriso e levantou seu dedo indicador e o do meio, em um sinal de "paz e amor". Yashiro desviou o olhar, com o rosto levemente corado, e Misaki deu uma risada.

— Ninguém substitui a minha melhor funcionária. Nem mesmo o Lemon com todo o seu "entusiasmo" ou o Natsuhiko e seu charme — Deu a volta no balcão, indo em direção ao rapaz. — Vá descansar, pequena Yashiro. Vou fechar a padaria esse final de semana para a visita da vigilância sanitária. Então, vocês tecnicamente estão livres. 

— Entendi, obrigada! — Foi até a sala dos funcionários trocar de roupa. Precisava ir ao cemitério ainda hoje. 

Dessa vez, não para pensar. Mas, para tentar contatar Hanako. Ele sumira de maneira misteriosa com seu sangue e não dera-lhe notícias faziam semanas, Kou também ausentou-se. 

Nene ligou para ele poucos dias após esse "sumiço" e o mesmo apenas disse que teve de fazer uma "viagem de última hora" até a casa de sua família. Era estranho, já que suas provas eram daqui alguns dias e haviam estudado muito para tal. 

Há pouco tempo atrás, havia acordado com grandes estrondos em seu apartamento e descobriu que eles não se davam muito bem. Tentou resolver amigavelmente suas diferenças, mas não era algo supérfluo como pensava. 

Era uma situação grave, grave e profunda. Tal como um atoleiro, onde você só pode ser sugado pelo embrenhado de lama cada vez mais fundo. 

E ela estava sendo sugada. Já havia até esquecido o motivo pelo qual tudo aquilo começou. O pior de tudo? Sequer imaginava como "terminar". 

— Yashiro, né? — Natsuhiko escorou-se na parede da pequena sala, assustando-a. Sorte que ela não havia começado a tirar suas vestes, ou teria sido pior. 

— O-o quê? — Yashiro chacoalhou-se, acordando de seus devaneios.  

— Uns amigos meus vão pra praia esse final de semana fazer um luau e vai ter bebida pra cacete — Riu, talvez por ter imaginado seus amigos bêbados — Você bebe, né? Vai ter uma galera legal lá, quer ir?

Ela negou a primeira pergunta e consentiu a segunda, com as bochechas visivelmente coradas.

— Então te vejo lá, Ya-ya! — Ele deixou uma pequena pulseira de delicadas flores brancas em cima de uma caixa e piscou para ela, retirando-se rapidamente. Se Misaki visse-o ali, sozinho com Yashiro, talvez ele tivesse problemas. E, detalhe: não tinha nem uma semana de empregado. 

— Luau, praia, final de semana — Yashiro tocou suas bochechas coradas, apertando-as. Repetiu as palavras, fazendo uma nota mental para não esquecer.

Trocou-se rapidamente e pegou a pequena pulseira, respirando fundo. Seria a primeira vez que fora convidada para um evento como esse. Chances assim não caíam do céu. 

Ela iria aproveitar. 

[...]

 — Sua mãe viajou de novo, Sakurinha? — A voz sussurrou em seus ouvidos. — Aquele rapaz… Ele te abandonou, né? Até quando ele vai ficar contigo? Deve ser tão ruim estar sempre só...

— Pare, não aconteceu nada! Não quero ouvir nada hoje — Sakura afundou seu corpo nu na banheira de água quente, na vã tentativa de bloquear a voz insistente.

— Sakurinha, eu sou o único que você tem. Eu sempre vou estar aqui, não importa se todos eles se forem — A voz ainda ecoava docemente em seus ouvidos. — Não importa o quanto você tente, eu nunca vou te abandonar. 

O oxigênio começava a esvair lentamente de seus pulmões. Perguntava-se, por que subir novamente? Não havia nada esperando-a lá fora além dele. Ele, que consumia todas as suas energias, mas que dava-lhe o prazer vicioso da vida, mesmo que à sua maneira. 

Vendo que não haviam opções, Sakura emergiu da banheira, abrindo seus olhos esmeralda. O rapaz ao seu lado sorria, passando vagarosamente a mão pelo seu braço repleto de cicatrizes. Sakura sentia arrepios percorrerem-lhe o corpo com o toque daquelas mãos frias. 

— Faz aquilo pra mim de novo, Sakurinha? — Mostrou a lâmina em sua outra mão, segurando o rosto dela e beijando-a na bochecha. — Quero que você se sinta viva. Você não ama a sensação? 

Sakura respirou fundo. Seus olhos vazios consumiam sedentos o brilho lascivo da lâmina sob a luz. Não respondeu nada a ele, mas ambos sabiam como aquilo terminava. 

Como sempre terminava. 

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficWhere stories live. Discover now