XXVIII - Pensamentos amargos

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— Sairei cedo hoje, senhor — Hanako voltava de mais uma entrega, recostando a bicicleta na calçada da padaria. — É a formatura da Yashiro, preciso estar lá daqui a uma hora.

Misaki assentiu, rindo.

— Como o tempo passa, não? Há alguns anos atrás, a doce Yashiro começou a trabalhar aqui. Eu a coloquei como garçonete, mas você não pode nem imaginar como ela era desastrada! Vez ou outra, um cliente saía emburrado com uma mancha de café nas roupas.

Hanako soltou uma risada, entrando na padaria.

— Ela podia até ser desastrada, mas sabia lidar muito bem com as pessoas. A presença dela era cativante — Misaki sentou em uma cadeira, enquanto Hanako caminhou até o vestiário dos funcionários para se trocar. — Ela é uma garota de ouro, rapaz. Por isso, dê o seu melhor cuidando dela.

Hanako sorriu, enquanto trocava o uniforme de funcionário por um traje social. Estava tão submerso nos pensamentos a respeito de sua Nene que sequer escutou uma briga dentro da padaria, ou os grunhidos de dor do velho Misaki. Quando abriu a porta, encontrou o chefe desmaiado no chão, com a barriga perfurada e o caixa do estabelecimento extraviado.

Sua primeira reação foi invocar suas Haku-jodai e se transformar. Voou com Misaki nas costas até o hospital mais próximo, sem se importar com o sangue que sujou suas roupas ou as pessoas ao redor, e seguiu o rastro de miasma que o assaltante havia deixado. Como esperado, o homem estava possuído. Fez um trabalho rápido e exterminou o demônio que atormentava o indivíduo, recuperando o dinheiro do caixa.

Quando voltou à padaria, devolveu o dinheiro, trancou o estabelecimento e fez um boletim de ocorrência na polícia. A todo momento, ele sentia que estava esquecendo de algo muito importante.

Quando saiu da delegacia e observou a torre do grande relógio, arregalou os olhos.

— A formatura! — correu até um beco e utilizou novamente as Haku-jodai, transformando-se e voando o mais rápido possível para a universidade. Ele já conseguia escutar o som alto de palmas e de pessoas no microfone. Quando pousou na entrada, os portões já estavam fechados. Tentou encontrar uma janela aberta no térreo, mas todas também estavam fechadas. Ele precisava marcar seu nome na lista de convidados para poder entrar, não podia simplesmente invadir o lugar.

Foi então que escutou o nome dela ser chamado, seguido de palmas estridentes.

Flutuou até a janela do auditório, observando Nene subir no palco. Ela estava radiante. Ele gravou cada sorriso que ela deu em sua memória, e percebeu que ela o procurava na multidão. Tentou bater no vidro e atrair sua atenção, mas a folia da platéia não permitiu que ela o escutasse. Dessa forma, ela desapareceu do palco e Hanako suspirou, pendendo os braços ao lado do corpo.

Ele perdeu a chance de estar presente no momento mais especial para ela.

(...)

— Uma menção honrosa à aluna Yashiro Nene, que conduziu uma pesquisa de campo e produziu um trabalho de conclusão de curso excelente! — o reitor da universidade entregou o certificado de conclusão de curso à Yashiro, que chorava de emoção.

Ela sorriu para as fotos, exibindo sua mais nova conquista. As palmas e felicitações da plateia puderam ser ouvidas enquanto ela descia as escadas do palco. Sequer conseguia acreditar que havia conseguido se formar! Finalmente!

Ali, alguns rostos conhecidos sorriram para ela. Tsuchigomori e Sra. Yako interromperam uma discussão sobre um assunto aleatório e vieram parabenizá-la, cada um ao seu modo, expressando timidamente orgulho e alegria. Alguns metros após estavam os Minamoto. Kou abriu um sorriso de orelha à orelha e abraçou a amiga, sem conseguir esconder a emoção ao esbanjar lágrimas e mais lágrimas, enquanto alegava estar feliz demais por ela. Mitsuba, por sua vez, fez comentários desagradáveis, dizendo que a beca ficou horrível nela e o capelo estava ridículo, mas depois sussurrou um tímido parabéns em seu ouvido. Teru, que carregava uma adorável garotinha loira em seu colo, apenas aproximou-se e a parabenizou, exibindo um lindo sorriso.

Nene se encontrou, mais a frente, com Aoi e Akane, que vieram apenas para vê-la. Akane a parabenizou, mantendo suas formalidades. Aoi, ao contrário dele, a abraçou e permitiu que Nene chorasse em seu ombro.

— Ora, ora! Estou tão orgulhosa, neninha! — Aoi sorriu, oferecendo um lencinho para a amiga.

— É tudo graças a vocês todos. Muito obrigada pelo apoio durante todos esses anos! — Yashiro sorriu, enxugando o rosto.

— Você fez mais por todos nós do que nós fizemos a você — Akane disse, sorrindo minimamente.

Após conversar com vários dos seus amigos, colegas e conhecidos, Nene caminhou até a sacada do prédio da universidade para respirar. Seus olhinhos percorriam todos os cantos da rua, apressados e curiosos, à procura dele.

Alguns minutos se passaram, a festa já havia começado e Hanako ainda não havia chegado. Ela não pôde deixar de sentir uma pontada traiçoeira no coração. Não queria sentir aquilo, pois sabia que Hanako não quebrava promessas. Algo aconteceu para que ele não chegasse a tempo. O desânimo se uniu à preocupação.

Apoiou-se nas grades do corrimão da varanda e suspirou, observando tristemente sua cidadezinha. Aquele deveria ser o dia mais feliz da sua vida, mas ela só conseguia sentir a ausência de Hanako. O peito doía e o sentimento melancólico de ser esquecida lutava por um lugar ali dentro.  Algo havia acontecido para que ele não aparecesse, tinha certeza.

Ela sequer percebeu a presença do homem às suas costas.

— Me perdoe, Yashiro — Hanako retirou seu quepe e o recostou no peito. — Eu cheguei atrasado.

Nene deu um salto por conta do susto, mas depois suas sobrancelhas se uniram e ela deu um sorriso triste.

— Está tudo bem. O que houve, querido? — se aproximou dele, tocando-lhe o rosto. — Por que está transformado? E isso em suas roupas… — ela se afastou rapidamente, arregalando os olhos. — Isso é sangue? — Mil pensamentos bombardearam sua mente e ela precisou respirar fundo para controlá-los, enquanto que seus membros a traíram e começaram a tremer involuntariamente.

Hanako observou aquela reação com tristeza, percebendo a impressão que havia causado. Ele baixou o olhar, suspirando e tentando controlar a ânsia desagradável em seu estômago.

Ela poderia estar pensando que ele machucou alguém, mesmo depois de ele ter jurado que não faria mais isso? Mesmo depois de todas as mudanças? Depois de tudo o que eles passaram?

Sim, ela poderia. Lobos ainda seriam lobos, por mais que se vestissem como cordeiros. 

E isso foi como uma flecha venenosa perfurando seu peito. Ele sabia que Yashiro não tinha maldade, que o amava e confiava nele. Ela apenas tinha se assustado com o sangue de Misaki em suas vestes. Foi apenas um engano e quando ele explicasse tudo, eles dariam risadas, enquanto comeriam juntos em um restaurante na beira da praia, no qual ele havia pago um jantar com o salário que começou a ganhar de Misaki, para comemorarem juntos a ocasião. 

Precisava pensar e tentar afastar aqueles pensamentos amargos, antes que eles pudessem consumí-lo. Uma lágrima escorreu em sua bochecha e ele não conseguiu controlar o impulso: saltou a varanda, desaparecendo noite adentro.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficWhere stories live. Discover now