XIII - Realidade.

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Amar. O que de fato era amar?

Yashiro não sabia responder essa pergunta com exatidão. Poderia responder “meu sentimento imensurável por minha família”, ou, então, “A cumplicidade que tenho com Aoi”. Era agradecida pela boa vida que levava, mas isso dava-lhe uma estranha sensação de incompletude. Não importaria se, por isso, morasse com seus pais ou se tivesse um milhão de amigos. Jamais estava realmente realizada…

E detestava isso. Era feliz e precisava se sentir assim, ou seria extremamente ingrata com os esforços que todos haviam tido com ela até ali. 

Ali... E ali estava novamente, naquelas águas profundas. Naquela sensação de inibição, de incapacidade. Onde apenas assistia passivamente sua história entediante nas fitas da própria consciência, em silêncio homogêneo. Sequer respirava. Ou melhor, não sentia a necessidade de oxigenar seu pulmão.

Qual a razão para estar ali? Por que nascera? Por que teve de ser Yashiro e não outrem?

Não conseguia responder e não encontrava nada nas fitas que passavam bem à sua frente. Aquilo era sua vida! Tinha de haver uma razão para ter escolhido, ao menos, cursar botânica.

Viajou cada vez mais nas suas interrogações, em uma procura árdua por respostas em si mesma.

Seus olhos semicerrados passearam pelas fitas que continham cenas de sua juventude, de todos os seus passos e recaídas. E ela sentiu de novo todos os sentimentos de empolgação, frustração, confusão e concessão que sentira anos, meses e minutos atrás.

De repente, as mesmas vozes distorcidas que ouvira na última vez começaram a cochichar em seus ouvidos.

— Por que você nasceu?

— Porque…

— Por que você é “Yashiro”?

— Óbvio! Porque essa é minha família.

— Por que você escolheu botânica?

— Porque o Teru disse que meninas delicadas eram encantadoras.

Yashiro arregalou seus olhos, sentindo uma dor semelhante à de uma flecha atravessar seu estômago. Não era ela respondendo, o que estava acontecendo?

— Você está apaixonada pelo Minamoto?

— Sim!

— Você ama o Minamoto?

— Eu…

— Você ama o Minamoto! — A voz que fazia as perguntas afirmou no lugar da que respondia, começando a ficar mais encorpada e tomar um soar feminino. — Você ama o Minamoto e odeia o Hanako. Você ama o Minamoto e quer eliminar Hanako.

“Não…”

Mas Yashiro não conseguia dizer nada.

— Mate-o! Mate-o!

— Pare, Sumire! — A outra voz gritou.

“Sumire?”. Nene não lembrou-se de ter conhecido ninguém com esse nome antes.

— Mate-o para mim, Neninha… — De repente, a voz mudou, tornando-se familiar. —  Eu te imploro!

“Aoi?”

De repente, Yashiro começa a despencar. Seu corpo parecia estar sendo sugado por um vão de escuridão infinita. Um buraco negro de… Memórias?

Assim que piscou, estava ajoelhada e sentia dores ardentes como brasa. Tentava gritar, mas a mordaça posta em sua boca só permitia-lhe urrar descontroladamente. As lágrimas grossas que escorriam de seus olhos molhavam seu peito nu, enquanto suas costas eram queimadas até sangrarem cada vez que um cigarro encostava em sua pele pálida. E era acendido novamente, só para que o processo fosse repetido.

— Seu irmão é um fodido que não sabe obedecer ordens, Amane — Um homem apareceu de trás, fumando o cigarro ensanguentado. — Ele fugiu e te deixou aqui, de novo. E você não o deixa ser punido.

Yashiro jogou-se no chão, sentindo seu corpo fraco. O vento gelado que provinha da janela acariciava suas costas ardidas, inibindo qualquer comando do seu cérebro pela dor.

— Por isso, eu vou foder você ao invés dele — O homem se aproximou, arrastando-a pelas pernas até a cama.

Ela começou a urrar novamente, tentando se livrar das mãos que seguravam seu calcanhar com uma força tão grotesca que ele parecia querer quebrar a qualquer momento. Então, fechou seus olhos com força e desejou que aquele pesadelo se findasse.

Passaram-se alguns minutos e ela não sentia nada. Não sentia mais a dor horrenda das queimaduras em suas costas, nem das agressões daquele homem. Mas, não sabia mais o que fazer. Não sabia como acordar daquilo.

Sequer sabia o que estava acontecendo.

Abriu os olhos novamente. Não estava mais naquele quarto imundo, nem amordaçada. Olhou suas costas, nada também.

Respirou fundo, interrompendo-se imediatamente ao sentir um cheiro metálico forte. Onde estava? Não conseguia ver, não havia luz alguma.

Caminhou pelo cômodo desconhecido, procurando por uma lâmpada para conseguir enxergar. Acabou encontrando uma vela em uma extremidade distante, grudada em uma lata. Utilizou-a para iluminar o caminho. Garrafas de bebida estavam quebradas, móveis espalhados e…

Os olhos vermelhos de Yashiro tremeram, juntamente de suas mãos.

Dois corpos ruborizavam o chão acimentado com sangue, que molhava a sola dos pés dela. Cerrou os punhos, chocando-se ao perceber que em sua outra mão havia uma faca.

Largou a faca, completamente imóvel. Sua mão trêmula tocou sua garganta, que, para confirmação do seu desespero, possuía uma fenda aberta.

Ela se afastou. Sentiu sangue jorrar em suas vestes e gritou. Um grito ensurdecedor, de puro desespero.

A vela caiu no chão e o sangue apagou sua chama fraca, devolvendo-a à escuridão.

— E então, já terminou?

Nene abriu seus olhos, ainda em choque. Tocou sua garganta e olhou ao redor. Estava no que parecia uma biblioteca, com um jaleco branco e curativos nas mãos. E o garoto sem camisa na sua frente parecia impaciente.

Seus olhos se encheram de lágrimas quando ele se virou e ela viu o rosto de Hanako.

Ou melhor, o rosto emburrado de Amane.

Observou as costas dele, repletas de curativos e inflamações de queimaduras cruéis e não pôde suportar.

Largou as ataduras que segurava e o abraçou com força, deixando que suas lágrimas corressem soltas. Lágrimas de um sentimento que ela jamais provara em tamanha intensidade antes.

Alívio.

O coração batia acelerado em seu peito e seu rosto corou quando sentiu os braços dele envolverem-na em um abraço igualmente apertado.

E necessitado.

Nene não conseguia pensar em mais nada, nada além dele.

Tudo o que vivenciou nos últimos minutos foi a realidade sofrida de Yugi Amane, de Hanako. A realidade cruel do espírito atrevido que ela invocou para livrá-la de uma maldição e que, pelas circunstâncias, acabou tornando-se sua sacerdotisa.

A realidade do demônio dos olhos dourados, que estava lutando contra a Sereia para que Kou pudesse retirá-la em segurança daquela cápsula e a levasse novamente para a superfície.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora