I - A lenda de Hanako

570 65 31
                                    

— Você quer saber sobre a lenda de Hanako? — Aoi a olhou, estranhando o interesse repentino da amiga enquanto caminhavam no corredor da faculdade. 

— É! Quero dizer… Você sabe muito sobre as lendas da cidade, né? — Yashiro sorriu amarelo, fazendo Aoi sorrir ao revirar os olhos. 

— Já ouvi minha avó falar sobre, parece ser bem antiga. Podemos ir lá em casa hoje perguntar dela. O que acha? — Entraram na sala, tomando seus assentos. — Posso fazer chocolate quente.

— Certo! — Yashiro sorriu, agradecendo o convite. Saciaria sua curiosidade de uma vez por todas. 

[...]

— Boa noite, vó! — Aoi deu um beijo na bochecha de sua avó, que estava sentada em uma cadeira de balanço próxima da varanda. 

— Ele deixou flores pra você de novo — Ela sorria, apontando para um pequeno vaso com delicadas flores rosadas. — Não seja tão má com ele, o dê uma chance! 

— Ah, vó… Não é tão fácil — Aoi pegou o vaso, guardando-o com os vários outros recebidos no jardim.

— Você quem dá uma de difícil — Yashiro disse, fazendo a avó de Aoi rir e concordar. 

Elas tomaram o tão desejado chocolate quente de Aoi e conversaram bastante sobre diversos assuntos, incluindo o ponto fraco de Yashiro: sua vida amorosa. 

— Você nunca deu um beijinho sequer, Neninha? — A mais velha olhou para Aoi, que confirmou a pergunta dela. 

— A Yashiro pôs na cabeça dela que é péssima com garotos, por conta dos seus tornozelos grandes e assim tem sido durante todos os seus 19 anos — Aoi apalpava o próprio rosto com a mãos, com uma expressão decepcionada. 

Yashiro estava corada, extremamente constrangida. Por um milagre, lembrou-se rapidamente do motivo da visita. 

— Ah! Senhora Akane! — Yashiro abanava suas mãos a frente de seu rosto. — A senhora sabe algo sobre uma lenda de uma tal… Hanako?

Ela pareceu surpresa com a pergunta. Ajeitou os óculos no rosto e olhou para a janela, como se pensasse. Até mesmo Aoi estranhou o comportamento de sua avó.

— Conheço sim — Disse e Yashiro pôde perceber seu tom de voz tornar-se levemente fúnebre. 

— Poderia me contar? — Pediu gentilmente, com certo receio. Deu um sorriso, na tentativa de amenizar o clima tenso que se instalou. 

Senhora Akane respirou fundo, afirmando.

— Hanako é uma das lendas mais antigas da cidade, também uma das mais longas. Nasceu quando eu era bem jovem e horrorizou-nos por muitos anos — Um pássaro pousou na varanda, atraindo a atenção dela.

Yashiro e Aoi observavam-na. Sua expressão era séria, bem diferente da idosa alegre e descontraída que costumava ser. 

— Yugi e Tsukasa eram dois irmãos gêmeos, dois homens que tiveram uma vida sofrida. Viviam juntos com o pai, um alcoólatra que sempre tentava se aproveitar deles. Da infância até a adolescência apanharam muito, eram estuprados, passavam fome e estavam sempre faltando aulas porque eram forçados a trabalhar, estivessem os céus desabando em uma tempestade ou um sol escaldante queimasse suas peles. A maioria dos jovens antigamente passavam por isso, sabe? — Ela deu um riso amargo. — A única coisa que tinham era um ao outro...

As garotas ouviam, sentindo imenso nojo de algumas partes da narrativa. "Seria possível alguém ter uma vida tão miserável?", Yashiro pensava, com a mão apertando o vestido em seu peito. 

— Quando tornaram-se adultos, em torno dos vinte anos, Tsukasa ficou muito doente, mas nunca deixou de receber abusos do pai. O homem sempre viu o filho mais novo como "o mais frágil". Sabendo de tudo e já cansado de toda aquela situação, Tsukasa suplicou que Yugi o matasse. Pegou uma faca de cozinha afiada, colocou as mãos do irmão no cabo e perfurou seu próprio peito. Na concepção de Tsukasa, não havia problema em "dar sua vida" à pessoa que mais amava. Ele apenas desejava a morte com toda a sua alma — O passarinho voou da varanda, mas a senhora manteve seus olhos fixos onde ele esteve. — Depois de ver a vida de seu irmão se esvair em suas mãos, o jovem Yugi perdeu sua sanidade. Esperou seu velho chegar em casa, bêbado como de costume, e o esfaqueou múltiplas vezes em todas as partes do corpo que conseguiu. Após perceber tudo o que fez, chorou aos berros e foi consumido pelas trevas que ele mesmo havia criado durante toda a sua vida. 

— E isso quer dizer?... — Aoi perguntou, enquanto Yashiro sequer piscava. 

— Ele se suicidou — Senhora Akane limpou seus olhos, que soltavam algumas lágrimas tímidas. — O túmulo de Yugi está escondido aqui na cidade, mas foi enterrado distante de seu irmão por conta de algumas supertições. Os rumores do povo dizem que deve-se evitar até mesmo dizer seu nome, pois ele seria invocado como um demônio chamado Hanako, que concede todo o tipo de desejo em troca da alma de seu conseguinte. 

— Como um gênio da lâmpada, eu acho? — Yashiro pensou alto, recebendo um "afirmativo" de Aoi. 

— Várias pessoas o invocavam para desejar perversidades, muitas vidas foram retiradas por motivos fúteis. Por isso, uma antiga família de exorcistas selou o túmulo de Hanako. Já Tsukasa nunca foi visto, então não consideraram-no um perigo. Quem jurou ter invocado Hanako, disse que ele tem vestes similares às dos militares tiranos que agiam naquele tempo, coisa que ele mantinha uma fascinação quando vivo. Na verdade, ninguém jamais soube onde esteve escondido o túmulo durante todo esse tempo. E, apesar do seu teor sanguinário, reza a lenda que ele ainda aguarda a sua salvação.

Yashiro estremeceu, arrepiando-se dos pés à cabeça. O modo como a senhora contou aquilo era muito convincente, sem contar no fato de tê-la emocionado. 

— Vovó? Por que está chorando? — Aoi perguntou carinhosamente, enquanto limpava o rosto da avó com uma toalhinha. — É só uma lenda como todas as outras que ouvimos, não se preocupe. 

— É real, filha — Senhora Akane olhou para Yashiro, agitando-se na cadeira. — Eu conheci o jovem Yugi, o vi com meus próprios olhos! — Puxou o braço de Yashiro, apertando-o com força. Seus olhos negros fixaram-se nas orbes avermelhadas de Yashiro, assustando-a. Aquela não era a senhora doce que conhecia, não era. 

Yashiro sentiu seu corpo arder e sua carne queimar. É como se ela estivesse dando-lhe choques apenas com aquele puxar de braço. 

— Vovó! Acalme-se! — Aoi segurou os braços dela e Yashiro ajudou-a com as pernas, até que parasse de agitar seus membros e tombasse a cabeça para o lado, desmaiando. 

— Aoi… — Yashiro tremia seus braços, tapando a boca com as mãos. — Me perdoa! Eu não sabia que isso aconteceria! — Disse, com a voz grogue pelo choro. 

— Eu deveria ter te avisado, não foi culpa sua, Neninha — Aoi forçou um sorriso, prendendo as lágrimas em seus olhos escuros. Apertava a toalhinha em suas mãos com força, o que não passou despercebido por Yashiro. 

— Acho melhor eu ir… — Pegou rapidamente suas coisas e calçou seus sapatos, saindo apressada.

Aoi deixou que suas lágrimas caíssem, largando a toalha de suas mãos.

— Não faça nenhuma besteira, Nene — Ela sussurrou, antes que a porta se fechasse.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficWhere stories live. Discover now