XII - Reflexo materno.

289 39 23
                                    

Após chegar na praia, Hanako encontrou Kou lutando contra diversas aparições e fantasmas andarilhos.

— Ei, guri! — Gritou, enquanto cortava alguns espíritos da borda do mar e eles dispersavam-se no ar. — Onde está a Yashiro?

Kou engoliu em seco.

— Um peixe levou ela! — Utilizou o cajado para dar uma grande descarga de energia, que acertou boa parte das aparições ao seu redor.

— Peixe?! — Hanako esbravejou, eliminando em um giro todos os espíritos que cercaram-no. — Maldita sereia! — Praguejou, apertando o cabo de sua faca.

Aquele sentimento de impunidade voltara.

Seus olhos âmbar estavam ainda mais brilhantes. Não mais como chamas, e sim labaredas de fúria. Sentiu-se desafiado.

Suas pupilas dilatadas revelavam uma face ainda desconhecida por Kou:

Sua face assassina.

Pela aura negra envolta de seu corpo, ela era inconfundível. A mesma face que sua avó vira enquanto lutava com ele, antes de selá-lo.

Achava injusto o modo como sua familiar lutou: manipulou as emoções do demônio, fazendo-o descontrolar-se em sua fúria, para, assim, encontrar uma abertura em seu desespero e selá-lo. Utilizou de seu poder espiritual ao máximo e conseguiu mantê-lo em seu corpo até o fim, mas morrera horas depois pelos ferimentos gravíssimos que sofrera em combate.

A Minamoto foi considerada a maior heroína da família, por ser a única em toda a história a ter portado tamanha bravura. Kou admirava-a e desejava ser tão forte quanto ela.

Mas, ele era uma bomba de autosabotagem. Pois, costumava pensar que, talvez, Hanako também estivesse sofrendo.

Conhecia a história do demônio sanguinário melhor que ninguém e, podia afirmar com todas as letras: ele também era uma vítima. Uma vítima que tornara-se o assassino sem sequer desejar.

Apesar de tudo, sua família estava certa. Ele deveria ser selado, pois tornara-se um perigo de qualquer forma.

Mas ele não precisava fazer isso agora.

Afinal, Mitsuba poderia ser forte, mas Hanako também tinha direito de tentar. Yashiro talvez ficasse mais feliz dessa forma. Porque, por mais que detestasse admitir…

Ela gostava dele, isso era perceptível em seu olhos.

Talvez a própria jamais fosse admitir, mas não podia negar que os donuts que sempre trazia da padaria já tinham um destinatário, que os sorrisinhos que soltava aleatoriamente quando estudavam juntos não eram somente para a parede e que as infames visitas ao cemitério no entardecer não eram apenas para pôr a cabeça em dia.

Nene não deveria se culpar por colocar mais água para os girassóis que para as tulipas, só porque eles levam, involuntariamente, seus pensamentos a ele. Aos olhos dele.

Kou não iria julgá-la por se apaixonar por uma lenda, porque ele também tinha cometido o mesmo ato.

Soltou mais uma forte rajada de energia, que dispersou as aparições do cais e correu até lá, gritando:

— Um peixe grande abocanhou a Yashiro enquanto conversávamos! Mitsuba também estava aqui e foi… — Interrompeu sua fala ao ver Hanako vir em sua direção, erguendo uma mão e empurrando-a contra seu peito.

Seus olhos arregalaram e ele não conseguira pensar em mais nada que não fosse o formigamento intenso por todo o corpo, antes de ver a si mesmo caindo desacordado na passarela de madeira.

— Mas que?... — Kou observou seu corpo, que parecia dormir tranquilamente. — Mas que droga?! — Observou a si mesmo, flutuando acima da água.

— Vamos pescar, guri? — Hanako perguntou, com um sorriso de canto. Apesar do tom levemente baixo, Kou ouviu bem.

Ele parecia estar contendo a si mesmo e suas emoções, pois sua aura esmagadora se reprimia aos poucos.

Talvez não quisesse repetir o mesmo erro de séculos atrás. Não queria que sua ira o enfraquecesse.

Mas, por antes pensar nos sentimentos de Yashiro, agora inverteu o tabuleiro: não achava possível que Hanako tivesse sentimentos. Ou, talvez, fosse?

De acordo com Mitsuba, as lendas tinham sim sentimentos. Eram como pessoas normais, "pessoas sem corpo físico, invisíveis", cuja única dor que podiam sentir era justamente a sentimental. Isso acabava culminando em todos os outros sentimentos.

Kou chachoalhou a cabeça, dispersando seus pensamentos. Aquele não era um bom momento para tentar ser o cupido de Yashiro. Ainda mais quando Hanako já estava léguas de distância.

[...]

Aoi observava a lua, sentada às margens da praia. Akane dormia, deitado em seu colo.

As águas estavam calmas e tocavam delicadamente seus pés com suas suaves investidas, molhavam a areia e relaxavam-na.

Suspirou ao ver um pequeno peixe pular pouco longe dali e desaparecer na imensidão azulada logo em seguida.

Tirou a cabeça de Akane de seu colo, reposicionando-a acima de seus próprios braços. Observou por alguns segundos o homem de óculos tortos em seu rosto e cabelos bagunçados, sorrindo amavelmente.

— Preciso fazer uma coisa importante. Mas, já volto, tudo bem? — Sussurrou, beijando a testa dele.

Aoi afastou-se, respirando fundo. Desatou alguns nós que seguravam sua saia, deixando-a nas margens do mar.

Seus pés tocaram delicadamente as águas frias, submergindo-na em passos lentos. Tão lentos que era como se não quisesse ir. Estava relutante.

— Você está sendo fraca em seus pensamentos — A voz de sua avó ecoou em seus ouvidos, fazendo-a interromper quando estava com apenas seu tórax para fora d'água.

Aoi não contou à Yashiro nada a respeito de sua família após aquele fatídico dia. E, desde aquela data, senhora Akane entrou em coma.

Tinha seu corpo em estado vegetativo, mas não havia perdido seu espírito.

— Vovó... — Sussurrou, sentindo as lágrimas salgadas brotarem de seus olhos escuros. — Eu não quero fazer isso, Yashiro é minha melhor amiga — Seu olhar estava vidrado na imensidão azulada, que refletia a imagem da idosa. Ela tinha um sorriso doce, amável.

Abriu seus braços, como se convidasse-a para um abraço apertado.

Aoi retribuiu o sorriso em meio às lágrimas de amargor, de saudade, de conflituosos pensamentos que invadiam sua mente. Todos confortados instantaneamente por aquele sorriso acolhedor.

O mesmo sorriso gentil que sua avó tinha anos atrás, quando era pequenina, machucava-se com suas travessuras infantis e recebia um curativo.

Ela não teve o carinho dos pais, mas recebera todo o amor que necessitava de sua avó. Era o significado mais forte que tinha de "família".

E, sem mais pensar, atirou-se naquele tão desejado abraço materno, afundando-se nas águas.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora