V - Ilusão.

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— Aoi! — Yashiro correu, alcançando a amiga a tempo de entregá-la um envelope. — Akane pediu para te entregar isso. 

Aoi abriu-o discretamente. Havia uma quantia generosa de dinheiro e um papel com, provavelmente, um recado. Afinal, Akane tinha o ingênuo orgulho de dizer que cartas ainda eram melhores que mensagens de texto.

— Obrigada, Neninha — Respondeu rapidamente e deu seu costumeiro sorrisinho, virando-se para logo desfazê-lo. 

Começou a caminhar para sair e sussurrar à si mesma:

— Você tem um cheiro horrendo. 

Yashiro observou-a ir, estranhando seu comportamento. Tanto esse de agora como o dos últimos dias. Estava mais calada, à medida que mais esquisita. Começou a falar sozinha e agir sutilmente mais cruel. 

A única pessoa com quem parecia se abrir era Akane, porém já era de se esperar. Eram amigos desde menores, vizinhos e ele mantinha uma paixão avassaladora por ela, mas não é como se fosse ser correspondido. Era uma relação... Complicada.

Yashiro respirou fundo, observando-a sumir na curva da rua. Queria poder ajudá-la. Afinal, Aoi era sua única amiga ali. Mas, também não deixava de pensar que tudo poderia ser fruto daquele terrível episódio, o qual ela prefere não lembrar. A culpa era sua.

— Desculpe o atraso! — Kou gritou, atraindo sua atenção. Ele carregava uma estranha sombrinha de cabo dourado nas costas, que ela preferiu ignorar por um motivo bem óbvio: o Kou era o Kou e ele tinha umas manias estranhas: era viciado em artes marciais; falava sozinho em latim e outras "peculiaridades" que não lembrava no momento. Já havia convivido tempo suficiente com ele para saber disso. 

Aliás, por que todos gostavam de falar sozinhos? Ela realmente não entendia.

— Estava dando uma palavrinha com meu irmão — Coçou a nuca, enquanto atravessavam juntos. 

— Não se preocupe, nem percebi — Yashiro deu um risinho sem graça, olhando para o caminho que Aoi havia percorrido.

"Você tem um cheiro horrendo, princesa."

[...]

As orbes âmbar abriram-se rapidamente, acordando-o em um susto. Correram confusas pelo espaço escuro, antes de arregalarem-se.

— Eles… — As íris cor-de-ouro dilataram suas pupilas, à procura de luz. Olhou em todos os cantos e nada. — Eles capturaram ela?! — Começou a correr no vazio, procurando a saída. — Eu fui selado?! — Gritou, lembrando-se do quão torturantes foram as décadas preso na escuridão.

Observou ao redor novamente, incrédulo. Era um pouco complicado manter-se por perto quando Yashiro estudava em uma grande "armadilha de urso". Mas, ele estava sendo mais cauteloso, certo? Não era possível ser selado sem sentir a dor infernal de ter seu espírito esmagado eternamente por um limbo. E ele sabia exatamente como era.

 — Não… — Parou, fechando os olhos. Deu um sorriso, já sabendo exatamente o que fazer. 

Empunhou sua faca, fazendo com que o metal reluzisse seus olhos ferozes, que brilhavam em excitação. Correu o mais rápido de pôde, pulando e rasgando com força as cortinas pretas ao seu redor. Os tecidos se dispersaram no ar e, instantaneamente, a luz invadiu o lugar, revelando paredes com estantes repletas de livros.

Hanako não tirou o sorriso de seu rosto, olhando o homem que estava sentado na grande e espaçosa escrivaninha. Levantou a viseira de seu quepe e guardou novamente a faca, dizendo:

— Sabia que era você, Tsuchigomori.

Tsuchigomori sorriu, mostrando seus dentes pontiagudos e posicionando seus óculos dourados no início de seu nariz, analisando-o de cima a baixo. Tirou o cachimbo dourado da boca e baforou sua fumaça, erguendo uma sobrancelha. 

— Achei que estava tarde, garoto — Analisou-o, comprimindo seus olhos. — Mas já entendi o problema. 

Levantou-se da cadeira, caminhando até uma estante em específico e puxou um livro vermelho. Colocou novamente o cachimbo em sua boca, adentrando a passagem que havia sido aberta após àquela estante mover-se para dentro da parede. 

— Então você perdeu tudo mesmo? — Tsuchigomori bufou, decepcionado.

— Bem… — Hanako entrou flutuando, observando-o pegar um livro preto. — Só estou um pouco fora de forma — Riu sem graça, fazendo Tsuchigomori balançar a cabeça, negando. — Diferente de você, que quase me enganou com aquela ilusão! Cara, isso foi muito malvado — Cruzou os braços, franzindo as sobrancelhas.

— Era necessário que ninguém pudesse sentir sua presença até que chegássemos aqui — Baforou novamente a fumaça do cachimbo, segurando-o entre os dedos. — Precisei mantê-lo por um tempo, até que as coisas melhorassem.

— Quanto tempo? — Observou as grandes prateleiras, vendo os vários nomes escritos nas capas. Procurava com certa curiosidade um em específico, obviamente, Yashiro Nene. Não podia negar o interesse em conhecê-la. Afinal, era necessário.

— Mais ou menos um mês, não recordo totalmente — Pegou um livro preto, cobrindo o nome da capa. Não precisava, pois Hanako sabia que era dele. Portanto, Tsuchigomori tinha seus motivos.

— Um mês — Hanako repetiu suas palavras, como se aquilo fosse um soco bem dado em seu estômago. Yashiro ficou um mês "à deriva" e iria matá-lo quando se encontrassem novamente, se isso ainda fosse possível.

Tsuchigomori anotou algumas informações em uma folha e envelopou-a.

— Tome, dê isso ao seu sacerdote — Entregou nas mãos de Hanako.

— Ah, por que você mesmo não me ajuda? — Guardou o envelope no bolso, falando em um tom desanimado. Mesmo depois de tanto tempo, ele ainda não gostava de facilitar. 

— Não sou mais seu sacerdote, garoto — Disse e assoprou a fumaça no ar, enquanto saíam do compartimento secreto e a estante fechava-o novamente.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficWhere stories live. Discover now