Contrato de Negócios

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Havia um relógio digital sobre o pequeno birô de madeira de lei que enfeitava a sala de espera daquele lugar. 15h35 eram os números marcados nos dígitos vermelhos. Bufei impaciente, puxando uma mecha de cabelo para o lado, pensando no quão ridículo era que eu tivesse que esperar um horário marcado para ver minha mulher em seu escritório. A secretária me olhava com nada além de pena e parte de mim sabia o porquê. Nenhum casamento normal funciona assim, nenhum relacionamento convencional tem esse tipo de situação. Mas é aí onde mora a diferença.

Meu casamento com Natasha Romanoff nunca foi normal.

Um leve bip soou no cômodo e logo a secretária entediada levou o pequeno telefone ao ouvido. Ela sequer se deu ao trabalho de falar qualquer palavra antes de desligar. Seu olhar sobre mim me dizia o que viria a seguir, mas ainda assim eu esperei.

-A senhora Romanoff está pronta pra lhe receber agora. Me acompanhe, por favor.

Enquanto nós seguíamos para encurtar a pequena distância entre a sala de espera e o espetacular escritório de CEO da minha tão ilustríssima esposa, reparei em como a mulher à minha frente era bonita. Corpo realmente espetacular, cabelo bem cuidado, longas unhas pintadas de vermelho. Aquilo me fez encolher um pouco, me senti pequena e inferior, há tanto tempo esse tipo de vaidade havia morrido em mim, claro que em algumas situações onde eu era obrigada a aparecer elegantemente ao lado de Natasha me faziam parecer ter saído de uma capa de revista, mas além disso eu era apenas eu. Simples assim.

Em uma situação normal, uma secretária assim tão bonita causaria ciúmes, pequenas discussões que seriam resolvidas com beijos calorosos escondidos sobre a mesa de CEO de uma das mulheres mais importantes do país. Em qualquer casamento normal, eu poderia rir depois de uma dessas discussões e sorrir sabendo que não tinha nada que me preocupar.

Mas, como disse antes, normalidade não fazia parte de nós.

- Obrigada, Candice. Você já pode nos deixar a sós. –Natasha disse brevemente, sem nunca tirar seus olhos dos papeis em suas mãos que repousavam delicadamente sobre a mesa.

A secretária saiu sem dizer nenhuma palavra e assim nos mantivemos. Em um silêncio que já era comum entre as duas, silêncio esse que dizia tantas coisas. Era quase um acordo tácito para não entrar em conflitos e nos manter sãs. Não havia muito o que falar realmente, não tínhamos um assunto em comum há meses, nossos diálogos se resumiam a pequenos cumprimentos pela manhã ou leves murmúrios de boa noite antes de dormir. Sim, apesar de tudo ainda dormíamos no mesmo quarto, dividindo a mesma cama, mas isso não significava absolutamente nada.

Entretanto, era curioso que minha mulher tivesse me convocado para um "encontro' ou reunião, como você preferir, logo depois do almoço. Ela mandou um aviso formal por sua secretária e esperou minha confirmação. Não era algo comum, Natasha nunca me chamava até aqui, ela tentava manter distante de mim toda sua parte empresária super importante e milionária, parte disso porque não dividíamos muito além da cama de casal king size no canto da maior suíte da mansão Romanoff, parte disso porque eu nunca realmente me interessei.

Não era um desinteresse específico pelo que Natasha fazia, era muito mais desinteresse por qualquer coisa, era um desinteresse pela vida. Parte de mim sequer sabia o que estava fazendo na maior parte do tempo e, embora Natasha tenha tentado fortemente me puxar de todo esse buraco negro que me consumia no começo, hoje ela simplesmente deixava ir. Ela deixava ir tudo aquilo que fosse fora do seu plano perfeito de vida, desenhado cuidadosamente para fazê-la feliz. Não posso culpá-la, no entanto.

-Desculpe tirá-la dos seus afazeres diários e fazê-la atravessar a cidade até aqui. –Deus ela era tão formal, às vezes eu me perguntava o que diabos tinha acontecido àquela mulher. Mas sempre que me fazia essa pergunta, a resposta batucava em minha mente como um tambor: eu havia acontecido.

-Nada importante na minha agenda hoje. –disse de uma forma quase irônica, parte porque ela sabia muito bem que eu não fazia nada além de vagar por aquela mansão durante todo o dia, parte porque a ironia estava agarrada a mim quase como uma proteção. –Do que você precisa?

Natasha finalmente me olhou, aqueles belos olhos azuis não entregavam nada além de um gélido esforço para se manter séria. Algumas vezes eu conseguia ver, lá no fundo, o quanto ela se esforçava para manter a pose, para se distanciar de tal forma, que tudo que restava era uma capa dura e singular da mulher que conheci. Não podia dizer que não sabia como chegamos aqui, eu sabia exatamente, passo a passo o caminho que nos levou ao abismo. Bom, talvez eu sempre tenha estado lá, mas em algum momento puxei tão forte que ela se jogou comigo. E a queda foi inevitável.

-Preciso que você assine esses papéis. Leve o tempo que precisar. –as folhas que ela segurava passaram pela minha mão, seguido de um belo envelope dourado. –Designei um advogado para acompanhar você em todo o processo, mas está tudo bem se quiser escolher um por conta própria. Tentei fazer uma divisão justa e correta, mas sinta-se livre para questionar qualquer tópico aí presente.

"PETIÇÃO PARA DIVÓRCIO EXTRA JUDICIAL"

Meus pulmões puxaram uma longa e vagarosa respiração. Os papéis continham inúmeras palavras, tópicos, diferentes tipos de números, mas tudo o que minha visão conseguia focar era naquele tópico em letras garrafais. Então era isso? Simples assim?

-Natasha? –foi tudo que minha mente confusa conseguiu dizer naquele momento.

-Se você ler com calma, vai ver que está tudo ai. –ela disse com a mesma voz controlada de sempre, seu corpo não esboçando nenhuma reação. -Todos seus direitos estão garantidos, o dinheiro devidamente dividido, as ações, os imóveis. Não há nada com o que se preocupar, posso garantir.

-Por que diabos você está falando em dinheiros e ações e imóveis? –sabia que estava alterada aquele ponto, ainda que não soubesse realmente o motivo. –Nada disso é meu e nós duas sabemos disso! Não quero o seu dinheiro, Natasha. Você pode guardá-lo todo para você.

Minha fala era mais agressiva que o normal, naturalmente não era esse tom que nós usávamos uma com a outra. Não nos atacávamos ou nos odiávamos, nós apenas... não existíamos.. Ainda assim, um sentimento de raiva continuava a vir sobre mim. Isso não era uma reunião de negócios, não era algo tão simples que algumas palavras e uma assinatura pudesse resolver. Nós estávamos casadas por quase três anos agora, um pouco mais de tato seria bem vindo.

-Estou apenas cumprindo a lei, Wanda. Não quero nada disso voltando sobre mim depois. –nada, nenhum sinal de emoção. Seu rosto continuava pacífico e o olhar indiferente. –O que é justo é justo e eu gostaria que pudéssemos resolver isso sem todo esse descontrole. Há pessoas lá fora que podem nos ouvir.

-Pouco me importo se podem nos ouvir! Talvez se você tivesse levado isso até a nossa casa, sentado e conversado, talvez não houvesse ninguém ouvindo algo que não lhe diz respeito. Você está tratando nosso maldito casamento como um acordo de negócios.

-E algum dia ele foi algo além disso pra você? –sua voz, embora baixa, carregava uma mágoa grossa e densa quase irreconhecível para mim. Quase. -Não finja que isso não é algo que você sempre quis.

Eu queria retrucar, mas as palavras me fugiam não pelo nervosismo, mas porque parte de mim sabia que ela tinha razão. Natasha foi meu bote salva vidas, que nunca me salvou realmente. Ela foi a luz do fim do túnel, mas o fim nunca chegou, logo nunca houve luz. Ela estava prestes a voltar a falar, mas antes que isso acontecesse, seu celular vibrou sobre a mesa, seu olhar desviando para tela com uma rapidez extrema..

Natasha levou o celular ao ouvido e atendeu com um breve "olá" e então toda sua expressão congelou. Era notório todo o esforço que ela fazia para controlar suas emoções, mas seu olhar... seu olhar estava quase tão quebrado quanto no pior dia de nossas vida, sua dor passou por mim e me atingiu fortemente, porque eu só vi aquele olhar de tristeza tão intenso no dia que tudo ruiu, no dia que perdemos eles.

-O que houve? –as palavras escaparam da minha boca assim que ela colocou o celular de volta sobre a mesa. –Quem era?

-Era Yelena. –sua voz era nada além de um murmúrio dolorido. –Minha mãe morreu.


 

Notas: Não sei se alguém vai ler isso, mas se sim, espero que gostem dessa história que tem passado pela minha mente ha um tempo. Volto em breve.

Misery Loves CompanyWhere stories live. Discover now