Marcada Pela Vida

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NATASHA ROMANOFF

O zumbido constante dentro do avião era quase calmante. Quase. Olhei para a mulher adormecida ao meu lado, Wanda sempre foi incapaz de se manter acordada por muito tempo em um voo. Sorri levemente, essas pequenas manias tinham se feito presente no meu dia a dia por tanto tempo, era uma sensação diferente na boca do estômago saber que isso não existiria mais.

Foi difícil dar o passo decisivo e, finalmente, fazer a coisa certa. A vida tinha me tirado tantas coisas até esse ponto, que manter o casamento de fachada que vivíamos era a única sensação de normalidade que me prendia, mesmo não sendo nada normal. Seria a última viagem juntas, os últimos dias convivendo, seria mesmo até a última briga, poucas horas antes entramos em um embate sem fim sobre ela me acompanhar ou não nessa viagem até a Rússia para enterrar minha própria mãe.

Parecia mais uma das inúmeras obrigações que Wanda teve que assumir por minha causa desde que nos casamos. Eu sabia que ela nunca escolheria ir a um enterro, sei todos os impactos que a morte tem sobre ela e como isso a afeta. Não consigo dizer qual a sua motivação de se impor tão fortemente sobre ir comigo, ainda mais segurando o meu pedido de divórcio em suas mãos.

Talvez fosse para me desafiar. Ela iria tão longe assim?

Era claro que eu deveria ter lidado com a situação do divórcio de forma diferente. Apesar de tudo, Wanda merecia que tivéssemos sentado e discutido, uma conversa sensata era o mínimo. Mas fazer tudo isso no impulso de coragem que tive foi a única forma, aqueles malditos papéis estavam guardados há quase 8 meses na segunda gaveta da minha mesa, me devoravam diariamente, riam da minha cara, era quase um fantasma que me perseguia. Não existia nada que pudesse ser salvo no nosso casamento, nem mesmo a amizade que um dia tivemos, cada célula do meu corpo sabia disso, mas ainda assim é muito difícil dizer adeus a uma parte tão importante da sua vida, ainda mais quando não havia restado nada mais nela.

-Natasha, pousaremos em breve. -Steve disse enquanto se aproximava da poltrona. -Você precisa de alguma coisa?

-Estou bem. Descanse esses últimos minutos, estamos em um avião particular no meio do céu, você não precisa estar tão alerta o tempo todo.

-Desculpe, aprendi com a melhor. -ele deu um sorriso simples e pôs a mão sobre meu ombro, dando um leve aperto. -Não estou aqui só como seu chefe de segurança, estou aqui como seu amigo. Sinto muito, Nat.

Devolvi o sorriso, demonstrações de afeto era difíceis para mim, a vida me deixou aleijada nessa parte. Steve sabia disso, era realmente um amigo, trabalhava comigo desde o início, sempre foi um funcionário dedicado, ganhando minha confiança e, com o tempo, a minha amizade. Sua carreira agora era exemplar e podia estar em qualquer posição que quisesse assumir, mas ainda assim escolhia ficar ao meu lado. Lutando minhas batalhas comigo, cuidando não só da segurança de tudo que eu construí, mas da minha também.

Era possível sentir que o avião se preparava para pousar e minhas mãos voltaram a suar, o bolo infernal preso no fundo da garganta. Melina estava morta, não tinha nada que mudasse a realidade chocante à minha frente. Limpei uma lágrima teimosa que insistiu em cair. Eu não iria chorar. O passado não volta mais, os anos longe não voltam mais e isso era algo que eu precisava me acostumar.

Não era como se fizesse alguma diferença realmente, não nos víamos, não tínhamos trocado uma palavra em anos. A doença dela, avisada por um email pela minha irmã, tinha me abalado, mas não parecia tão real quando se está tão longe. Melina tinha feito as suas escolhas e eu as minhas. Então não deveria fazer diferença nenhuma o fato dela estar morta, não deveria, mas fazia. Mais do que eu estava disposta a admitir.

Misery Loves CompanyWhere stories live. Discover now