02 | 12:45

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ㅤㅤㅤEu sempre gostei muito de ir para a casa do meu avô, por isso não posso descarregar sobre ele a culpa de não gostar de estar me mudando para aquela cidade. Beaverton era a típica cidade que qualquer um gostaria de morar, era um pouco maior do que Oregon City e isso me traria um pouco mais de privacidade. Talvez eu adorasse morar ali em outra situação, mas não era o caso. Fui recebida com muito amor, o que já era de se esperar. Meu avô havia separado um quarto só para mim e havia contratado algumas pessoas para que o reformassem de tal maneira que eu sentisse minimamente o impacto da mudança, já que ele se parecia muito com o meu quarto original.

ㅤㅤㅤMas é claro que a história podia ficar mais bizarra. Ele não tardou em me contar que tinha um amigo que havia conhecido num daqueles bares em que jogava cartas e que ele me acompanharia onde quer que eu fosse em prol da minha segurança. Eu sabia que quando ele falava de segurança, ele não se referia aos riscos que as ruas da cidade ofereciam e sim me proteger de mim mesma. Como eu poderia recomeçar e ter uma vida normal tendo um velho me perseguindo como se eu fosse uma garotinha indefesa? E eu seria pra sempre garota suicida que não se lembra do que aconteceu meses antes de tentar se matar. 

ㅤㅤㅤO primeiro dia de aula foi o mais bizarro possível, todos já se conheciam e não faziam muita questão de sequer fingir notar a minha existência naquela maldita sala de aula. Não que eu me importasse, diga-se de passagem. Parte de mim tentava focar nos estudos e no que realmente importava, afinal, era o motivo pelo qual eu havia aceitado me mudar. A minha outra parte continuava dispersa, captando os detalhes invisíveis para os demais. 

ㅤㅤㅤDevo ter ficado parada por cerca de meia hora em frente à secretaria observando os alunos transitarem sem parar, pensando se algum deles tinha uma história como a minha e eu sempre chegava a uma resposta negativa. E de repente, quando finalmente consegui resolver todas as pendências com a coordenação eu me deparei com um corredor vazio, como o do hospital. Minha mente parecia estar fadada a isso: lapsos de memória, dispersão, eu não tinha mais controle dos meus próprios pensamentos e lembranças. Estaria eu questionando-me novamente sobre não lembrar de absolutamente nada até despertar naquele hospital? Como? Por que? Eram respostas que me pareciam inalcançáveis e aquilo me atormentava. 

ㅤㅤㅤEra pouco mais de 12:45, não fazia nem uma hora desde que a aula havia acabado e a frente da universidade já estava vazia, eu não encontrei o senhor que meu avô havia contratado para me perseguir. Talvez ele tivesse dito aquilo da boca para fora, ao menos era o que eu esperava... até me deparar com um garoto que me encarava, encostado em um carro. Ele usava uma jaqueta de couro e um cabelo que caía sutilmente em seus olhos quando ele se mexia.

ㅤㅤㅤ— Sina Deinert? — Ele perguntou sorrindo, apagando o que parecia um baseado. Por alguns segundos eu pensei que ele ia me sequestrar, mas eu não tardei em me dar conta: Meu avô havia enlouquecido. Ele havia contratado UM DROGADO pra me vigiar!

ㅤㅤㅤ— Sim sou eu. Então é... isso... que meu vô contratou pra me vigiar? — Eu falei sem pensar, estava irritada com toda aquela situação. Esperava ao menos um senhor que seria como meu segundo avô para me fazer companhia, mas aquilo parecia uma piada. Ele fez menção a abrir a porta para mim, mas é claro que eu tratei de pará-lo. — Eu sei entrar no carro sozinha, pode deixar.

ㅤㅤㅤAssim o fiz, adentrei no carro e esperei que ele fizesse o mesmo. É claro que tratei de verificar se as travas de segurança não estavam acionadas, visto que eu não conhecia aquele drogado que meu avô havia colocado para "cuidar de mim" como se fosse uma babá e não podia confiar nele.

ㅤㅤㅤ— Olha só... eu sei que essa situação não é muito legal nem pra mim nem pra você. Você deve ter muito o que fazer e... — Pausei a fala para retomar o ar e organizar meus pensamentos. — Não precisamos ter que conviver. Eu sei que você não queria estar aqui e muito menos eu quero ser perseguida por alguém que nem conheço. — Agarrava-me com tanta força ao encosto do banco que era capaz de rasgá-lo a qualquer momento. — Vamos fazer o seguinte. Você finge que está sendo meu motorista o dia inteiro, mas vai viver sua vida e eu vivo a minha. No fim do dia você me encontra, me deixa em frente a casa dele e ninguém precisa saber. — Ensaiei um sorriso gentil, mas meu olhar era extremamente vazio e não havia nenhum traço de gentileza ou felicidade ali. Eu detestava aquela situação e esperava uma resposta positiva da parte dele. Porém... quando dei por mim eu encarava ele, meu olhar encontrou o dele e comecei a analisá-lo e sem perceber permitia que ele enxergasse um pouco além de mim também.

ㅤㅤㅤ— Você está tirando conclusões precipitadas... quem disse que é um problema para mim te perseguir o dia inteiro? — Ele deu um sorriso tão sarcástico que apagou qualquer resquício de interesse que poderia ter surgido em mim. Senti a ponta de meus dedos formigarem com a força desferida contra o banco, meu desejo era dar um soco no meio da cara daquele babaca e fugir daquele carro. Quando é que pensaram que aquilo seria uma boa ideia? — E aproveitando que você perguntou... meu nome é Noah. Noah Urrea! — E mais uma vez aquele sorrisinho insuportável surgiu em seus lábios. Revirei os olhos. — Aliás... não posso deixá-la porque você está atrasada pra sua consulta e... acho que seu avô não ficaria muito feliz caso eu falhasse com o meu serviço. Mas se quiser posso te levar pra tomar um sorvete depois por ser uma boa menina! 

02:01 | NOARTحيث تعيش القصص. اكتشف الآن