prologus

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A família transita por ruelas íngremes, frias e barrocas em passos apertados. Precisam  atravessar dois bairros para chegarem à paróquia. Não estão atrasados, mas tinham pressa. Se chegassem a tempo de conseguir um lugar nas primeiras fileiras, próximo ao altar, terão visão privilegiada da celebração. 

Afinal, não era comum aos devotos da singela paróquia de Saint Margaret Ward contarem com a presença do mais que ilustríssimo Arcebispo Lawrence. Tanto que o filho mais novo do casal, hoje com dez anos e que praticamente corre para conseguir acompanhar o ritmo dos maiores, só o vira uma única vez na vida e sequer se lembra da ocasião, já que na época não passava de um bebê de três anos de idade.

O pequeno, assim, contagiado pelo entusiasmo dos adultos, quer saber como o Arcebispo se parece. A mãe diz que ele é alto e tem a pele naturalmente bronzeada, um tom meio açucar mascavo. Já a avó afirma que “é o mais sábio e bondoso dos homens”, e o aconselha a não deixar escapar aos ouvidos nenhuma de suas palavras.

Mas as descrições rasas não o contentam. O caminho é longo e a curiosidade, insaciável. Perguntas rijas de energias enrolam-se em sua linguinha e rompem o ar gélido incessantemente. Exige saber a cor do cabelo e dos olhos dele, como é o nariz, se usa barba, se tem bochechas gordas ou se é magro como uma vela, se se parece com alguém da TV, se seu rosto lembra o de algum famoso. 

O menino quer desenhar a imagem perfeita na mente. Mesmo que isso custe a paciência de quase todos. A única que não o manda fechar a boca nem o olha feio nem o castiga com silêncio é a avó benevolente.

Não obstante, momentos mais tarde Harry chega a conclusão de que o custo que pagou não valeu muito a pena. No fim, o Arcebispo não é nada do que ele esperava. E sua batina roxa é menos legal do que a verde reluzente do Reverendo Julian. Se tivesse que escolher, sem dúvidas usaria a do Padre. Ou até mesmo a sua de coroinha, costurada cuidadosamente por sua avó, que está guardada em casa.

Fruto de sua expectativa quebrada, depois da entrada extravagante do convidado especial, que atravessou o corredor até o altar cerceado por coroinhas que empunham longos castiçais e velas floridas por chamas oscilantes, Harry se diferencia dos outros fiéis por não dar atenção à cerimônia que se desenrola à sete fileiras a frente.

Sua mente só capta poucas palavras da liturgia. Corpo. Templo sagrado. Corrupção pelo pecado sujo. O menino tem outra preocupação no momento. O olhar varre a igreja à procura do amigo. Entrega. Renúncia. A purificação em Cristo. Sua avó tenta o repreender pela inquietação, cutucando seu ombro. Mas não adianta, pois no instante seguinte ele se distrai novamente e torna a tentar achar o amigo, sem sucesso. Será que ele não veio?, se questiona. A igreja não é tão grande, deveria já ter encontrado sua família. Santidade. Reino no céu. Encontro com o Senhor. Felicidade eterna. 

- Chega disso, menino. Presta atenção - o pai balbucia à ele, severo.

O filho imediatamente cruza os braços e esboça um biquinho nos lábios enquanto fixa os olhos, com tédio, no Arcebispo sem graça. Que bobo, todos estavam ansiosos para isso? Ele preferia que o Padre Julian estivesse falando.

Quando chega o momento de receber a hóstia, o menino pede para acompanhar os adultos até lá. Poderia ver se encontrava Niall pelo caminho. A mãe, porém, nega dizendo que ele tem que ficar com a irmã, também emenda uma ordem para desfazer o bico porque isso chateia Deus. Harry está em Sua casa e precisava respeitá-lo se não quisesse receber castigo divino.

A fila para a hóstia está enorme, e isso dá ao pupilo a oportunidade de escapar do banco duro usando a desculpa que irá fazer o número um.

Esgueirando-se pelo estreito vão à direita dos bancos - ele não queria ser interceptado pelos pais no único corredor da igreja -, o garoto vai do banheiro sem pressa alguma, relanceando a vista por todos bancos. Quando enfim encontra os pais de Niall também de pé na fila, quase na extremidade final, se decepciona pois não há qualquer sinal do lourinho. 

immaculate sin of the lovers • L.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora