septendecim

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Antes de ir para casa, Harry precisa dar um jeito de se livrar da mochila. 

Assim, por volta das nove da noite, após deixar a casa dos Horan, seus pés o conduzem até a esquina entre a última casa da rua Hermitage Dr e a primeira casa na rodovia Danefield. 

Ali, para além do portão baixo de madeira, revelam-se trilhos enferrujados e cobertos por musgos que se estendem até a estação abandonada. Próximo a eles, como se o acompanhassem, há um tapete de terra batida. No entanto, seus caminhos se separam em certo ponto. 

Harry não sabe nem onde ambos terminam, nem quando foi a primeira vez que o amigo se aventurou na estação. Ele tampouco entende a fixação dele pelo lugar. Ora, é um terminal abandonado há mais de um século! Como Niall pode considerá-lo seu refúgio preferido no vilarejo?

“Você seria o primeiro a morrer num filme de terror”, Harry uma vez disse para ele, e explicou: “É um sem noção, gosta brinca com o perigo”. “Não pensa que, se você ou eu morrer, o que sobreviver é que vai ficar traumatizado e ainda vai ter que se explicar pros pais do outros, e pra polícia”

“Torça pra que nenhum de nós sobreviva, então”, devolveu Niall, muito bem-humorado.

“Por que é que eu ainda ando com você?”

“Você não tem escolha”

À medida que Harry mergulha na escuridão, lembranças e o desconforto de antigamente são revividos. Seus nervos se contraem a cada passo, e um calafrio lampeja na espinha com crescente intensidade.

Instintos de autopreservação disparam quais os perigos de estar ali, há mais de um quilômetro afastado do bairro, sozinho e vulnerável… É de uma estupidez sem tamanho!

Como a longa caminhada é longa, Harry tem tempo de sobra para equilibrar a nostalgia sombria e uma discussão consigo mesmo, que começa com ele se perguntando que raios está fazendo. Escondendo a mochila, ele mesmo retruca. E qual o problema em simplesmente tê-la deixado num lugar mais seguro pra si? Tipo, abandonar no banheiro do Boliche Center, teria sido melhor, né? Ela certamente acabaria no achados e perdidos. Mas a questão é que as chances de seus pais encontrarem-na devem ser iguais a zero. E isso só será possível se ela for parar dentro do bosque. Isso é necessário! Deixá-la no meio do caminho não adiantará, ainda haverá risco de alguém a encontrar pois Niall não é o único que gosta de passear por ali, apenas é um dos poucos que vai até a estação. Por isso, sim, é o bosque ou nada.

Surpreendendo a si mesmo, Harry não desiste até ser capaz de distinguir os contornos da plataforma e o prédio térreo devorado pela vegetação adjacente.

O que o deixa receoso de se aproximar mais não é apenas o abandono evidenciado pela infestação de cupim nas paredes de tábuas do terminal, pelo telhado de ardósia e janelas de vidos depredadas e bancos externos carcomidos, nem é por conta do bosque vizinho, com seus ruídos quase ensurdecedores, com o breu formado abaixo das copas das árvores - que camuflam seres famintos e nada amigáveis -, pelo vento que raspa as unhas por seus corredores.

O que causa-lhe o frio na espinha e o mantém num paranóico estado de alerta é lenda associada àquele lugar.

Certa vez, Niall provocou: “É sua cara acreditar nesse suposto massacre”.

“Tá bom, então explica porque abandonaram a estação”, retrucou Harry, na defensiva.

“Dã, encontraram um lugar melhor, óbvio”, argumentou o outro, convencido, “Nem faz sentido manter uma estação assim tão afastada da população”

“Pois parece mais que quiseram se livrar desse lugar o mais rápido possível. Você mesmo disse que ainda tem pastas com documentos lá dentro”, teimou.

immaculate sin of the lovers • L.S.Where stories live. Discover now