quīndecim

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– Posso dormir com você?

A vida na Congregação havia entrado em repouso em torno de uma hora atrás, o que não significa muita coisa para Harry já que, há longuíssimas semanas, suas noites são voltadas para a  alimentação da exaustão.

Após o tremendo trabalho que teve, ele enfim conseguiu terminar de ler o livro de C. S. Lewis e logo tratou de devolver para o para o Orientador mais velho que, horas mais tarde daquele dia, entregou-lhe um de São João Paulo II intitulado Teologia no Corpo.

Isso aconteceu há uma semana. Mas o seminarista nem se importou de abrir o livro para ler uma frase sequer.

Harry não quis comentar, mas já tinha tido o bastante com a obra de Lewis. Foi cansativo demais e deixou de recordação uma enxaqueca que Deus-queira que desapareça em algum momento. 

Com a mente caótica do jeito que está, é impossível se concentrar em qualquer coisa. Se ele já não consegue prestar atenção ao Frade por mais de um minuto ou ao menos tomar banho sem se perder no seu labirinto mental, ele dispensa a árdua tarefa de estudar.

Quer dizer, em certos momentos, sua cabeça fervilhante até se atém ao presente, no entanto, opera num estado de alerta tão obsessivo que, ansiando dividir o foco para absolutamente tudo ao redor, acaba não se concentrando definitivamente em nada. Noutros, porém, e estes vêm se tornando mais recorrentes que a condição anterior, a mente abstrai-se da realidade e dissolve-se em devaneios, em sonhos-acordados. 

À noite um pandemônio rebenta em sua cabeça. Esses dois estados excitam-se pela escuridão e pelo silêncio ruidoso do campo, pela ansiedade e pelo medo. Durante a madrugara inteira parecem disputar um cabo de guerra interminável. É desgastante.

Dormir nunca foi fácil para si, mas agora ele teme nunca mais conseguir descansar de forma natural, como qualquer pessoa normal. Teme ter de tomar remédios para o sono. Ou de enlouquecer pela falta dele.

As pessoas enlouquecem se não dormem, sim? E se esse processo já estiver começando? Ele sente que já começou. A enxaqueca constante. A irritabilidade cada dia mais latente. A lentidão dominando seus movimentos. Os lapsos de vertigem. De vez em quando ele até ouve um zumbido distante. Talvez seja a loucura se aproximando.

E se o último pesadelo foi um presságio? E se Harry se tornar um manequim vivo? Será que tinha sido outro alerta divino? Ele não quer pagar pra descobrir.

Quem diria. O seminário, lugar de comunhão fraterna que deveria prepará-lo para o sacerdócio desenvolvendo sua espiritualidade enquanto aprimora a inteligência emocional e a capacidade contemplativa, seria a experiência que o empurraria para o limiar da sanidade.

Ao invés de encontrar as respostas que o Padre Julian prometeu, Harry sairia dali mais confuso e angustiado e perdido do que jamais esteve na vida.

Não obstante, o seminarista quer esquecer um pouco desse caos esta noite. Ou ao menos tentar.

Ele nem se importa em arrastar a cômoda para frente da porta para se sentir minimamente protegido. Afinal, não planeja passar a noite ali, sozinho. Em vez disso, vai ao quarto de Louis.

Não o invade. Com a porta entreaberta, se limita a recostar-se no batente enquanto chama pelo seu nome em voz baixa.

Harry achou que ficaria nisso por um tempo, no entanto, o amigo não demora a acordar e - um tanto sobressaltado - se senta na cama, apoiando-se nos cotovelos e estreitando os olhos para ajustá-los à penumbra. O propedeuta insone dá a ele alguns segundos antes de pronunciar a pergunta anterior.

– Dormir comigo? - Louis soa rouco, bêbado – Você tá bem?

 – Não muito. As noites têm sido difíceis pra mim - confessa – Aí pensei em ficar com você hoje. Sei que é esquisito. E entendo se você não quiser. Mas…

immaculate sin of the lovers • L.S.Where stories live. Discover now