Capítulo 32 - Pulgas mil na geral

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Passadas as horas de conversa, sentados na areia da praia, Aliza e Kawe ficaram em silêncio por um momento, ambos achando palavras para as revelações, engolindo o choque ao mesmo tempo, sentindo o gosto do mesmo amargor

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Passadas as horas de conversa, sentados na areia da praia, Aliza e Kawe ficaram em silêncio por um momento, ambos achando palavras para as revelações, engolindo o choque ao mesmo tempo, sentindo o gosto do mesmo amargor. Kawe sentia um enorme bolo na garganta, que vinha junto com uma sensação de pequenez insuportável. Jamais imaginou que sua melhor amiga tivesse tantos anseios por trás de toda a inteligência. Aliás, em seu mundo, talvez nem mesmo imaginasse que, de fato, a transfobia ainda se perpetuava. A cidade era grande demais para caber tão pouca sordidez, mas ele estava enganado, existia, e não era tão pouca sordidez assim.

一 Você podia ter me contado antes 一 Kawe disse, por fim.

一 Eu não sei se podia. Evitei contar até para mim mesma até agora 一 Aliza disse, com as lágrimas secas no rosto.

一 Por isso você está fugindo esse tempo todo do Samuel? Eu não acho que ele sea igual aos amigos dele 一 Kawe falou.

一 Eu também não, mas talvez esse seja o problema. Se nem eu que convivo com a transfobia o tempo inteiro estou acostumada com comentários como aqueles, imagina ele que nunca precisou passar por nada disso? 一 Aliza disse.

一 Aliza, mas ele sabe. Se ele sabe e quer ficar com você mesmo assim, isso não é um problema para ele.

一 Não é agora, não é da boca para fora, mas quando tudo começar, eu não vou ser capaz de vê-lo me ignorar na frente dos amigos, de nem sequer pegar minha mão na rua, e como ele vai dizer que namora uma garota trans para a própria família?

一 Ele vai arrumar um jeito. E se ele te magoa fica claro que ele não te merece. Eu não sei o que você ouve por aí, nem qual o tamanho da sua dor, mas eu também sofri muito onde morava quando assumi minha sexualidade. Na cidade pequena a maldade gruda com mais força na nossa pele, porque as pessoas ficam juntas o tempo inteiro. Amiga, eu não sei se fugir seja a escolha mais saudável. Nos machucar é inevitável. Vez ou outra a gente tropeça em algo e cai de cara no chão. Se servir de consolo, estamos na idade de fazer exatamente isso, de ter com o que nos arrepender mais tarde, sabe?

一 Se machucar é um compromisso 一 Aliza fala.

一 Exatamente. E eu prometo que estarei aqui, passando por tudo junto com você.

Kawe põe o braço por cima do ombro de Aliza.

一 E aí? Vai ligar para ele hoje?

Já era fim de tarde, o sol estava alaranjado se enrolando no mar, pronto para adormecer. Aliza desenha algo na areia com o dedo, tentando decidir o que fazer a partir deste momento.

一 Não, hoje não.

Foi o que ela disse, depois Kawe só ouviu o som do mar, e os pensamentos de Aliza pairando junto com a brisa.

JÁ ERA UM POUCO TARDE DA NOITE quando Kawe voltava para casa, refletindo nas coisas que tinha descoberto sobre Aliza, com as mãos enfiadas nos bolsos do short. Descobriu logo mais que não foi o único a ter uma noite longa. Samuel passava a chave na porta da lanchonete e depois descia o portão. Atravessou a rua, caminhando em sua direção, sem saber bem o que falar quando chegasse.

Me Encontra (NOVELA GAY)Where stories live. Discover now