01 - As Raposas do Mar

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Mikhail

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Mikhail

Eu não devia estar ali, quer dizer, eu não devia estar respirando. Nos primeiros dias a bordo do navio, estranhei os marinheiros na mesma medida que eles me estranharam. Não importava para eles que vivi dois longos anos na miséria completa — e, pensando bem, eles haviam passado a vida toda na miséria. O Capitão, Thierry, era um homem rabugento que adorava gritar no ouvido de todos, o filho vivia atrás dele como se fosse um rabo, Eadan Mer Foxarlett, um sujeito que devia ser três ou quatro anos mais velho que eu, mas que não largava da aba do chapéu do pai. 

Os próprios marujos zombavam disso, pelo menos os que falavam línguas que tinha domínio. Ninguém me perguntou, mas o médico, Bill, parecia bem ciente do eu havia feito. Assim como, às vezes, o capitão se aproximava de forma muito suspeita querendo me dar conselhos de vida como se eu também fosse filho dele. Nessas horas, Eadan estava afastado do pai para minha alegria, pois não desejava sua cara cínica me encarando enquanto o capitão tentava não me acusar de ter pulado de um maldito penhasco.

— Seguiremos pelo sudeste em direção à Kserato! — bradou Thierry segurando o timão.

Olhei para cima por instinto, na minha família aprendíamos a navegar usando as estrelas antes de termos consciência de quem somos. Nuvens pesadas se formavam no norte, o prelúdio de uma tempestade se apresentava com o vento frio atingindo-nos como navalhas, tão brutal que era necessário tomar cuidado com a vela principal. Travei o maxilar, aquela não era uma boa ideia. Larguei a escova imunda dentro do balde, deixando a limpeza do convés pela metade e subi as escadas sem ser convidado. A caravela dos Foxarlett era maior que uma caravela comum, mas ainda era um nada perto dos galeões que cresci navegando. Minha aproximação chamou a atenção de todos ao redor do timão, incluindo o maldito Eadan.

— Senhor, podemos conversar? — questionei segurando meu próprio braço.

Thierry não gostava de mim, eu supunha por mais que ele se ocupasse em tentar me consolar. E não me surpreendia, afinal, aquele homem era o demônio das histórias que meu pai contava quando eu era criança, o que me leva a crer que Jurg era o vilão nas histórias que Eadan ouviu ainda menino. O vento balançava os cabelos vermelhos dos Foxarlett, mesmo que Eadan sempre estivesse com uma bandana marrom maltrapilha estúpida na cabeça, de nada adiantava com os fios ruivos lhe caindo sobre os ombros.

— O que é tão importante para ter abandonado seu posto marujo? — resmungou ele com os olhos atentos no horizonte.

— A rota, senhor... — enunciei receoso, marinheiros são criaturas orgulhosas.  — Está tomando o pior caminho possível.

A sobrancelha do velho capitão se ergueu tanto que temi por minha vida, talvez fosse necessário mais cuidado para falar com ele, Eadan conteve um riso atrás do pai. Era acostumado com velhos irredutíveis, mas Thierry era terreno inexplorado, e me tratava com gentileza mesmo sendo o filho de seu arqui-inimigo. O que só podia ser por pena ou alguma tramóia Foxarlett, obviamente, não havia como ele ter qualquer consideração por mim.

Ruby da Fortuna: Raposas do MarWhere stories live. Discover now