08 - Killian Foxarlett

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Mikhail

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Mikhail

Acordei com a cabeça estourando no dia seguinte, sem o menor sinal de Eadan ou de minha dignidade. Gaivotas cantavam no céu, e o burburinho de ordens ecoava através da madeira me causando ainda mais dor. Gaivotas, água, Garth berrando ordens, passos firmes. Estávamos em alto mar outra vez com toda certeza, não lembrava de ter voltado para minha rede, mas fiquei feliz por estar nela.

O balanço do mar me deixou enjoado quando me sentei, mas era esperado depois de todo aquele rum. A escuridão do convés inferior me foi aliada, então busquei pelos fragmentos de memória o que raio havia feito ontem à noite além de beber. Lembro-me claramente de vigiar o navio, conversar com Eadan, das várias goladas de bebida e de como me sentia tonto quando ele me beijou. Congelei por um instante na rede, desejando ser um dos afortunados pelo esquecimento depois da bebedeira porque me lembrava de tudo, e com riqueza de detalhes. Em como me senti eufórico ao ter a cintura apertada por ele, da forma que seus lábios tocaram os meus e sua língua deslizou para dentro de minha boca com destreza.

Um beijo não seria grande coisa em outros contextos, mas Eadan fez daquilo um evento e tanto. Fora carinhoso e decente o suficiente para não ir além, rindo das asneiras que o álcool me dava coragem de falar. Parte de mim queria se arrepender, dizer-lhe que havia esquecido e negar para sempre. A parte que ainda era o filho de Jurg, que ainda desejava inutilmente dar qualquer orgulho aos Carveryon — mesmo sabendo que era impossível. No entanto, se ignorasse a dor de cabeça e o enjoo, eu poderia muito bem ser o sujeito mais feliz daquele navio. Eu merecia um pouco de diversão também, e sabia que era tudo que o Foxarlett queria: diversão. Nada sério, nada para o resto de nossas vidas, só mais uma noite. O tipo de relação que minha família jamais aprovaria, nem que fosse com uma mulher.

Respirei fundo, decidido a lavar o rosto. Tomaria um belo esporro por estar dormindo enquanto os outros trabalhavam, mas também não entendia a razão de termos desatracado tão cedo. O plano era ficar pelo menos cinco dias no porto, reabastecer nossos suprimentos o suficiente para uma ida tranquila até o Império. Ao invés de levantar, enrosquei o pé na rede e estourei a cara o chão. O baque ecoou através da madeira, mas o som logo foi sobreposto pelo meu riso esganiçado. Que merda eu estava fazendo da minha vida?

Era dia, eu tinha certeza pelo canto das aves e pelo barulho da tripulação lá fora, mas o convés inferior ficou num breu tão profundo que não podia enxergar muito além de meu próprio nariz. Pensei ter batido a cabeça com força demais, mas na escuridão um par de íris vermelhas me encarava como quem vislumbra um banquete. A Raposa. Estava em quatro patas, próxima o suficiente para que fosse capaz de sentir o fedor de morte de sua bocarra.

O animal caminhou em passos lentos, e não havia força suficiente em mim para sair correndo dali como desejava. Engoli em seco, ela não podia me machucar de verdade, não é? Alucinações ou sonhos que fossem, essas coisas não podiam ferir um homem. O chiado das unhas finas batendo contra o piso de madeira, a respiração pesada escapando por dentre uma porção de dentes, o brilho sobrenatural daqueles olhos. Assustador era pouco para descrever a forma que experenciava todos os meus sentidos quando aquela criatura maldita surgia, tudo era intenso e vivido demais para ser chamado de sonho.

Ruby da Fortuna: Raposas do MarWhere stories live. Discover now