23 - Lorde Mer

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Eadan

Mika não me deu trabalho depois de beber mais do que devia. Assim que chegamos ao quarto, ele despencou na cama e roncava antes que eu tivesse a chance de terminar de abrir as janelas. Estava abafado mesmo a noite então me desfiz da toga antes de me deitar. Mikhail resmungou e abriu os olhos para mim, mais alto impossível, acariciando meu rosto com os dedos.

— Eu te amo, Eadan — soava cansado. — Sei que não é muito, mas vou estar aqui por você, tá? Não precisa lidar com tudo sozinho.

Não havia resposta para aquilo senão o puxar para meus braços, onde o Carveryon se aninhou caindo no sono outra vez. Eu queria continuar brigando com aquele homem pelo resto da minha vida, me doía pensar que talvez meu pai não estivesse lá para ver.

Agarrei no sono assim que o quarto refrescou um pouco. Estava exausto da viagem e dos dramas da noite, queria me focar apenas no calor do corpo de Mikhail contra o meu. Só precisava pensar nisso.

Soube que era o fim de uma jornada assim que me vi cercado por ondas revoltosas, um céu negro desabando e uma caravela — minha caravela — afundando na escuridão do abismo. Estava em pé sobre o mar, obrigado a assistir meus homens se afogando um a um. Thierry estava a poucos passos de mim, era capaz de o alcançar, puxar para fora da água, mas ele não se mantinha acima das ondas como eu. O puxava, incansavelmente, um, duas e mais cem vezes. Meus braços queimavam, meu rosto se lavava em lágrimas e não na tempestade.

— Me solte, moleque — disse ele depois de cuspir água pela milésima vez. — Precisa me deixar ir, Eadan, ou vamos os dois se afogar.

— Nem fodendo, velhote. — Joguei todo meu peso para trás, numa tentativa desesperada de o puxar para cima de mim. Se eu conseguia boiar acima do mar, seria um bote para ele.

— Postergar o inevitável não é tão caridoso quanto imagina — alguém me disse, mas eu não sabia a quem a voz pertencia. — O terror de se afogar uma única vez deixa sequelas para o resto da vida em muitas pessoas, e aqui está você o afogando outras noventa e nove para se livrar da primeira.

Ignorei. Não importava. Meu pai, Thierry era meu pai, o velho que fez questão de me ter por perto, que me ensinou tudo que sei. Não o deixaria afundar junto do navio, não o deixaria seguir sua tripulação para o fundo do mar. Era meu pai. Meu mundo. Ainda precisava dele.

— Acorde, garoto — a voz de Killian me derrubou da cama, ou melhor, da rede. O navio estava num balanço suave e meu irmão me olhava feio. — Você pegou da bebida do pai de novo, né?

A voz dele estourava em minha cabeça, quis vomitar, mas engoli a bile de volta. Era Killian, em carne e osso, bem ali na minha frente.

— Do que cê tá falando?

— Ah, agora ele vai fazer o João-sem-braço — Daryn riu de braços cruzados. — Aposto que encheu o cu de cana.

Eles estavam pequenos, magricelas e com a voz fanha demais para dois homens adultos. Magros demais também. A franja preta caia nos olhos vermelhos de Killian, enquanto Daryn tinha metade de uma sobrancelha faltando.

Ruby da Fortuna: Raposas do MarWhere stories live. Discover now