Capítulo 20

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Sina

O velório começou ás 16h, boa parte das pessoas que compõem a igreja que mamãe frequentava está presente. Meus familiares estão todos separados, alguns em volta do caixão, outros próximos ao pastor.

Tive meu tempo a sós com minha mãe antes de todos chegarem, chorei por meia hora até meu irmão chegar e começarmos a discutir.

— Isso tudo é culpa sua.

— Não, não é. - Digo. — Ela morreu de câncer.

— Desgosto por ter uma filha incorrigível e demoníaca como você.

Isso não me atinge mais, Robert - Reviro os olhos impaciente.

Eu não tenho raiva dos meus pais ou de meu irmão por tudo que fizeram. Robert acabou absorvendo o preconceito por conta dos meus pais, então, tudo o que ele é hoje é devido ao que viu na infância. Meu irmão aprendeu a apedrejar pessoas como eu e odiar tudo que não acha normal. Ele é o mais novo de nós três.

No início foi difícil, mas entendi. Entendi que meus pais vieram de costumes diferentes e naquela época apenas fizeram o que aprenderam a vida toda. Claro que foi horrível e agradeço minha avó por ter me acolhido, aprendi com ela a ser forte e me orgulhar de quem sou. Nunca mais abaixei a cabeça para ninguém, muito menos para minha família.

Mas com o tempo aprendi que ter minha paz é melhor que qualquer rancor que eu poderia guardar de alguém.

— Você não deveria estar aqui. Manchando um lugar sagrado com os seus pecados.

— Não ouse falar isso, - Sussurro — Eu paguei toda essa merda. Eu paguei o hospital, paguei o plano e paguei a porra da roupa que ela está vestindo. Quando ela precisou, eu estive lá. Não você.

— Não fez mais que sua obrigação.

— Eu não tenho obrigação nenhuma, Robert. Um cara bêbado e infeliz como você não tem que falar o que é certo ou errado para mim.

Depois disso, não nos olhamos nenhuma vez desde que as pessoas chegaram. Observo o pastor se aproximar e me preparo, só quero que o dia termine logo.

— Boa tarde, Sina, - Diz sorrindo. — posso? - Ele indica a cadeira ao meu lado, dou de ombros e espero que se sente.

Eu sinto muito que tenha perdido sua mãe, espero que Deus lhe dê conforto.

— Hum... Obrigada. - Surpreendo-me com suas palavras.

— Faz muito tempo que não a vejo, está uma mulher linda. Sua mãe com certeza tem orgulho disso.

— Eu... acho que sim.

Ele retira um envelope de dentro do bolso do paletó e o estende para mim.

Sua mãe me pediu para lhe entregar isso quando chegasse a hora. Tem alguns meses que ela escreveu, por isso, posso lhe garantir que não é algo feito por outra pessoa.

— Por que ela faria isso? - Pego a carta de sua mão.

— Apenas Deus sabe os motivos, minha jovem. Deixe-me ser sincero e abrir meu coração. Nunca, em hipótese alguma, estive do lado dos seus pais na decisão que tomaram alguns anos atrás, eu sou apenas um humilde servo de Nosso Senhor e amo cada um de seus filhos em igual, - sua mão segura a minha — orei por você todos os dias e vou continuar orando até o meu último suspiro. Não perca sua fé para com as pessoas, algumas encontram o caminho do Pai, mas ainda não abriram mão de dogmas enraizados de ódio. Tento a todo momento ensinar que todo mundo é digno de ser amado, apenas uma pessoa pode julgar o certo e o errado, e Ele está nos esperando lá em cima.

— Obrigada, pastor.

— Vamos orar, minha querida. Quero pedir a Deus que guie sua mãe até os portões do paraíso e que Ele dê proteção a você em sua caminhada de vida.

Fecho meus olhos e seguro a outra mão do pastor, juntos oramos para que o Pai conforte o coração de meus familiares, pedimos que minha mãe esteja na segurança de seu Reino e que me proteja de toda a maldade e crueldade do mundo. Pois ele tem muitas. Peço que me de forças. Peço que me dê sabedoria e, acima de tudo, peço que me dê amor.

Ao finalizarmos, o pastor beija a minha testa e vai até meu pai. Viro a carta de um lado para outro, mas a única coisa escrita é o meu nome na parte de trás com a caligrafia de minha mãe.

Quando a hora chegou, todos seguimos o carro da funerária até o local onde minha mãe será enterrada. Minha tia, irmã mais nova de minha mãe, se aproxima e enlaça seu braço ao meu. Sigo ouvindo-a sussurrar sobre sua infância com a irmã mais velha e como minha avó vivia tendo dor de cabeça com as duas por causa de namoricos.

Quando o caixão é enfim baixado e o último grão de terra some, uma onda de paz e tranquilidade me invade. Minha mãe está bem.

E eu vou ficar também.

★★★
beijinhos

A Acompanhante - SiyoonWhere stories live. Discover now