Capítulo Dezesseis.

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Maju narrando:

Fito com a sobrancelha arqueada o par de olhos azuis profundos que estavam lagrimejados, ao contrário daquela cobra não esboucei nenhuma reação, apenas fiquei parada a fitando e vendo toda aquela cena de primeira.

─ Meu Deus, filha ─ ela chorava copiosamente. ─ Você está tão linda, tão mulher.

Revirei os olhos e já ia saindo, mas a mesma me puxou me fitando ainda chorando.

─ Vamos conversa filha, por favor.

─ O que você quer?! ─ perguntei alto e rude, a mesma arregalou os olhos e fungou limpando as lágrimas. Olhei aquela mulher dos pés à cabeça e vi o quanto ela estava deplorável, não era mais aquela mulher de anos atrás que tinha uma boa plástica na cara, os cabelos lindos e os peitos duros. Ela estava irreconhecível, estava parecendo uma mulher já de idade, usava roupas comuns de segunda mão e sua vaidosidade estava realmente esquecida.

Aquela mulher olhou pra Lua que segurava minha mão a fitando com os olhos brilhantes, ela então se agachou e tentou tocar o rosto de Lua mas a minha filha se esquivou se encolhendo, até achei estranho já que Lua nunca recusava o toque de ninguém.

─ Essa pequena é minha netinha? Oh Deus, ela é tão linda... ─ ela falava encantada e tentando tocar Lua, mas a mesma não deixava e se escondia atrás de mim.

─ Ela não é sua neta, ela é minha filha.

Ela se levantou e me encarou com os olhos baixos e ombro encolhidos, nunca tinha a visto assim.

─ Nós precisamos conversar, preciso que você me escute.

─ Não tenho nada pra conversar com você ─ minto sentindo minhas palavras se acumulando na garganta.

─ Maria, por favor, só quero conversar e depois prometo que deixarei você em paz.

Olho impaciente pra fora da loja e suspiro sentindo uma raiva me corromper, queria descer tanto xingamento em cima daquela vaca mas me contive por causa da minha filha. Sabia que aquela depravada iria ficar infernizando minha vida se não quisesse escutar aquelas ridículas palavras dela, e tudo que queria no momento era paz.

─ Só dois minutos, não tenho todo o tempo do mundo pra gastar com alguém como você.

─ Muito obrigada, filhinha ─ mamãe pediu baixinho.

***

Estava sentada na má companhia daquela cobra na praça de alimentação, ela não parava de me olhar instante nenhum e nem pra Lua que brincava com o brinquedinho do lanche. Esperava as palavras dela já sentindo dor de cabeça e muita raiva, queria mesmo era bater naquela cara enrugada dela e descontar tudo que sentia.

─ Eu quero me desculpar, filhinha.

─ Já te desculpei, mas desculpar é fácil o difícil é esquecer.

─ Eu te entendo meu amorzinho, sei que o que fiz não foi algo que uma mãe deveria fazer, te deixei sem casa quando você estava grávida e deixei você sozinha, fiquei me culpando por isso um bom tempo, mas é que perdi a paciência porque a Arezzo já estava falindo desde aquela época e uma filha de quatorze anos grávida só iria sujar mais nossa imagem.

─ Não tem problema, eu fui morar em uma favela e fui mais acolhida como nunca, namorei um traficante que por acaso me assumiu e tive uma filha que ele também assumiu. Encontrei na favela a paz, o amor, e descobri que até com pequenas coisas é possível ser feliz.

─ Me desculpa por isso também minha bonequinha, era pra você ser uma das meninas mais populares e mais bem vistas do Rio de Janeiro, não era nunca pra você passar por essa humilhação de ir pra uma favela... ─ a interrompi assim que ela já começou a julgar meu povo.

─ Humilhação não é ser de favela mas sim ter uma mãe como você.

─ Não me trate assim, Maria ─ ela começou a chorar novamente. ─ Eu sei que eu errei feio, mas estou agora me desculpando, me desculpa por deixar você passar necessidade lá, se envolver com aquelas pessoas imundas, e ter uma bastarda de um traficante sem escrúpulos.

Naquele momento meu sangue ferveu, me levantei com raiva e falei bem alto pra todos escutarem.

─ Primeiro, eu nunca passei necessidade lá, segundo, eu agradeço por isso e agradeço eternamente por me envolver com um traficante e com todas essas pessoas imundas de lá, terceiro, minha filha não é uma bastarda e nem nada pra você, então cale sua boca e enfie essas suas palavras imundas no seu... ─ gritei alto exasperada, chamei atenção de algumas pessoas da praça de alimentação que estava cheia.

─ Meu Deus, no que você se transformou? Não reconheço você Maria Júlia, virou uma favelada e barraqueira...

─ Virei sim e com orgulho! Eu sou muito mais feliz lá, tenho meu esposo, minha filha, tenho pessoas que realmente me amam e me querem sem ligar pra minha aparência e pro meu dinheiro, lá tenho uma verdadeira família e todo apoio. Se não fosse por esse traficante sem escrúpulos, eu estava vendendo meu corpo nesse momento e sem rumo na minha vida, mas esse traficante foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida e continua sendo, ele pode não ser uma pessoa perfeita e ser amado por todos mas ele nunca deixou faltar nada, nunca levantou a mão pra mim, nunca usou drogas perto de mim, ele sempre fez o possível pra me ver feliz, e ele nunca me humilhou...

─ Quer dizer que você é sustentada por alguém que vende drogas? Com certeza uma ótima pessoa, é ótimo ser sustentada por um traficante, e essa sua filha aqui se transformará em alguém igual você, uma favelada e barraqueira... ─ ela apontou pra Lua que olhava tudo com espanto.

Fechei meus punhos com força e me preparei pra cair de murro em cima daquela vadia escrota, mas me contive e suspirei fundo pensando que a Lua não devia presenciar eu quebrando aquele nariz cheio de plástica dela.

─ Aí Maju, eu comprei algumas coisas mas infelizmente a grana acabou ─ surgiu Gabriel cheio de sacolas e com três pirulitos enormes na mão, ele entregou um pra Lua e colocou o resto das coisas sobre a mesa, o mesmo veio até mim distraído e se virou olhando para mamãe. ─ Jesus! ─ ele colocou a mão sobre o peito espantado.

Mamãe olhou com as pálpebras cerradas para o mesmo e Gabriel deu um sorriso de deboche ainda fingindo espanto.

─ Que susto! Quem é essa irmã da Gretchen só que em uma versão mais feia ainda? ─ Gabriel perguntou me arrancando um sorriso. ─ Mona, esse teu nariz aí tem mais plástica do que as bonecas da minha sobrinha.

Gargalhei alto e vi a mulher em minha frente com ódio no olhar, a mesma tocou o nariz dela e fez cara de nojo.

─ Quem é essa velha horrorosa? ─ Gabriel me perguntou sussurrando.

─ Essa é a minha mãe, infelizmente ─ digo sem ânimo e vejo Gabriel colocar a mão na cintura e olhar para minha mãe com raiva.

─ Então essa é a vaca Arezzo?! ─ ele perguntou alto com deboche. Já sabia que Gabriel ia discutir e bom, com certeza ia deixar mamãe com mais raiva ainda, então decidi simplesmente acabar logo com aquela palhaçada e deixar aquela cobra seguir o caminho dela sem me perturbar mais.

Puxo o braço de Gabriel lhe dizendo um não com a cabeça e o mesmo assente pegando as coisas e a Lua nos braços. Pego minhas coisas também e saio andando e ignorando a presença inútil da minha mãe ali.

─ Ainda não terminamos nossa conversa, Maria! ─ ela fala alto e lhe mostro meu dedo do meio com um sorrisinho irônico.

Saio da praça de alimentação e Gabriel nos chama pra ir na sala de jogos, mas antes de ir passo em uma loja de eletrônicos e vejo na televisão o jornal local, passava imagens da Rocinha, parei e mandei Gabriel ir na frente levando logo a Lua. Após ele sair fixei meu olhar através do vidro na televisão enorme que estava em venda e escutei atentamente a repórter: ''Traficantes e Militares estão em confronto na favela da Rocinha, já faz mais de uma hora que há tiros por toda a comunidade, todos os moradores estão dentro de casas e por enquanto não há nenhuma morte inocente, já contaram cerca de trinta policiais gravemente feridos e quatro traficantes feridos, mais tarde voltamos com mais notícias sobre o confronto.''

Após escutar a reportagem sinto meu coração se apertar e o desespero só aumentar, era tão ruim ficar ali imaginando diversas coisas que deviam estar acontecendo nesse momento, era tão ruim ter Luan em meio de um confronto e não saber se veria ele novamente e principalmente, não saber se ele ainda estava vivo...

Apenas um Traficante IIWhere stories live. Discover now