Capítulo 2

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Capitulo revisado

Depois de mais uma manhã como todas as outras na escola, chata, longa e interminável, chegou a hora de me encontrar com o Mateus na praça, que é bem perto de onde moro, então andei até lá por alguns poucos minutos e ainda cheguei antes do horário combinado.

Por quase meia hora esperei pelo Mateus. Andei por todos os lados, comi pipoca, li, olhei as crianças brincarem no parquinho, dei uma escorregada no escorrega, procurei por ele a praça inteira, e nada.

Nem sei porque acreditei que ele fosse chegar no horário. Com tantas coisas melhores pra fazer ele não iria cumprir com o combinado, certeza que pensava que eu podia espera-lo até a hora em que lhe fosse mais conveniente.

Irritada e xingando ele mentalmente, eu não parava de andar de um lado para o outro e conferi o relógio a cada segundo, as pessoas que me viam devem ter me achado uma completa esquisita prestes a contrabandear algo, mas a única coisa em que pensava agora, era que eu seria enrolada por essas três semanas e no fim daria nota de graça para um irresponsável que ama se aproveitar dos outros.

Quando estava a ponto de ir embora avistei vir de longe pedalando depressa uma bicicleta o que parecia ser o Mateus, e nesse momento eu não sabia se ficava feliz por ele ter vindo ou com raiva por ter demorado tanto.

– Parece que seu motorista te deixou na mão, não é? – disse assim que ele se aproximou de mim, todo suado e ofegante.

– Motorista? Eu não tenho nem carro – desceu da bicicleta e passou a mão na testa – Me atrasei porque tive que ajudar minha mãe no restaurante e acabei perdendo a hora, não fiz por mal – fiquei um tempo em silencio sem saber o que dizer diante da sua reação tão...educada?

– Então vamos começar logo, já está ficando tarde – sento em um banco e o Mateus se senta ao meu lado.

– Você já pensou em alguma coisa pro trabalho?

Fiquei com medo de contar todas as ideias que tive e ele se aproveitar disso, então decidi mentir. Se tem uma coisa que eu não quero é fazer esse trabalho todo sozinha.

- Ainda não pensei em nada.

– Eu também não faço ideia do que fazer, mas se a gente pensar um pouquinho logo a ideia vem – ele apoiou as costas no banco, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos.

O meu único pensamento antes de me encontrar com o Mateus, era que a qualquer momento ele poderia ser arrogante, ou me tratar mal, mas surpreendentemente ele parecia outra pessoa longe dos amigos.

- É estranho eu nunca ter te visto na escola? Você sempre estudou lá? - estava tão perdida com meus pensamentos que nem percebi quando o Mateus voltou a falar.

– Sim, desde o primeiro ano – só podia ser brincadeira uma pergunta daquela, era óbvio que ele me conhecia.

– Então quer dizer que estamos a três anos juntos e nós nunca conversamos?

– Não, nós já conversamos – o Mateus me olha confuso e eu sinto um pouco de receio em continuar falando – Na verdade você já falou comigo, mas não me deu tempo de responder – ou ele estava se fazendo de desentendido ou realmente tinha se esquecido da menina esquisita – Vai me dizer agora que não lembra? Conta outra, Mateus – rio irônica, mas mesmo assim ele não desiste de fingir, apesar de que talvez realmente não se lembre, ele e os amigos zuavam tantos alunos que eu duvido que se lembrem de todos.

– Eu juro que não sei do que você está falando, por isso que já imagino que não tenha sido nada bom – a sua expressão não negava, o Mateus parecia bem mais compreensivo e sereno do que o Mateus de hoje cedo. Essas três semanas serão bem mais fáceis se ele continuar assim.

– Então, eu vou refrescar um pouco sua memória. Era seu primeiro ano lá no colégio e eu te entendo, ter a aprovação de todo mundo, ser reconhecido por alguma coisa é tentador, então eu lembro que você tentava chamar a atenção de todas as maneiras, inclusive fazendo piadinhas e rindo de algumas pessoas que era diferentes – ele abaixou a cabeça e eu continuei falando, nunca se sabe quando você vai ter outra oportunidade de dizer o que pensa pra uma pessoa como o Mateus – Até que um dia você e o Pablo fizeram isso na minha frente, e como eu não ia ouvir aquilo calada, decidi defender o menino que vocês implicavam, mas em vez de parar com aquilo eu só consegui ouvir o que não queria.

– Nossa Amora, eu nem sei o que te dizer, só me desculpa, queria poder te explicar tudo – ele parecia mesmo arrependido, mas era difícil acreditar.

– Agora já passou, não importa mais – peguei meu caderno na bolsa e procurei a página em que escrevi as minhas ideias – Vamos nos concentrar agora no que a gente veio fazer aqui, sei que você não curte muito minha companhia, assim como eu não curto muito a sua.

Entrego a ele o caderno e logo começamos a falar sobre como poderíamos fazer cada uma delas. Pra quem eu achei que não faria nada, até que ele parecia estar interessado em alguma coisa.

– Achei legal essa aqui, entrevistar vários alunos de grupos diferentes, o que você acha? – ele aponta para uma das ideias que escrevi no caderno

– Por mim tudo bem, a gente podia fazer em vídeo, seria mais fácil de mostrar as diferenças entre eles – e sem nem esperar eu já comecei a ficar empolgada novamente com aquele trabalho.

– Isso, poderia ser tipo uma reportagem, vai ficar muito bom e pelo menos não vamos precisar nos apresentar na frente de todo mundo, só de imaginar em ter que falar no auditório eu já me sinto inseguro – ouço o Mateus falar mais baixo, um pouco tímido, e fico confusa, aquilo não poderia ser real.

– Não foi o que pareceu na aula de sociologia – disse para ele ter certeza de que eu não tinha esquecido de quem ele era.

– O quê que eu fiz de errado? – rio da sua atuação.

– Não me diga que esqueceu que quase foi expulso pela professora Adriana?

Ele colocou as mãos na cabeça e suspirou, como se estivesse acabado de descobrir que fez alguma coisa errada.

– Você pode até não acreditar, mas até conversar assim com você é um desafio pra mim – o ouço dizer sem olhar na minha direção – eu morro de medo de estragar as coisas.

Mas estraga, e com os amigos por perto então, a destruição é ainda maior. Como ele podia ser tão hipócrita?

Eu já estava indo pra casa quando o Mateus me pediu para esperar.

- Você não quer ir naquela sorveteria comigo? Sei que um sorvete não vai mudar nada que eu fiz com você, mas espero que ajude a deixar sua tarde um pouco melhor - ele disse um pouco envergonhado, talvez com medo de que eu rejeitasse seu convite. Não posso negar que aceitei mais pelo sorvete do que pelo Mateus.

Fizemos nosso pedido e sentamos em uma das mesas do lugar. Era tudo muito colorido e atrativo, e o sorvete artesanal oferecido ali era o que mais chamava atenção, não sei porque nunca tinha entrado naquela sorveteria. Para falar a verdade eu só reparei nessas coisas por não saber o que fazer com aquele silencio constrangedor entre a gente, era incrível como ou o Mateus era extremamente frio ou era extremamente tímido.

– Por que esse nome, Amora? – ele perguntou de uma vez, como se estivesse esperando o momento certo pra falar, e logo depois os nossos sorvetes chegaram.

– Porque meus pais se conheceram colhendo amoras, e essa fruta é como se fosse o símbolo do amor deles – digo e experimento meu sorvete de frutas vermelhas, que tinha certeza que a partir de agora era um dos meus preferidos.

- Gostei mais ainda do seu nome agora que eu sei que tem um significado - ele diz dando um sorriso de lado e logo volta a tomar seu sorvete.

Eu estava tão concentrada aproveitando aquele sorvete que preferi não lembrar que ele debochou do meu nome a horas atrás. Com certeza o sorvete fez minha tarde ficar um pouco melhor.

Eu definitivamente não gosto de vocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora