PNF - Capítulo 06

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[Miguel Sobral - São Paulo, 1998]

Algumas coisas são estranhas por natureza. Algumas coisas são muito estranhas e outras são apenas... Estranhas.

Por que eu estava pensando isso? Porque eu estava em um desses momentos estranhos. Que de tão estranhos, eu não conseguia definir direito o que era.

—Dona Lurdes, como a senhora lida com coisas estranhas?

Perguntei a senhora que trabalha em casa desde antes de eu nasci, diria que ela praticamente ajudou a me criar e era uma segunda mãe pra mim. Observava ela ir de um lado pro outro, com seus cabelos que começavam a ficar levemente grisalhos, mas com uma vitalidade e agilidade absurda, preparando o almoço de domingo e mal prestando atenção em mim que estava sentado ali a pelo menos uns quinze minutos.

—Que isso, menino, tá doido?

—Sabe, coisas estranhas que acontecem mesmo sem você saber que elas poderiam acontecer, mas por outro lado, são tão... Espontâneas que você realmente acha que era aquilo que deveria ter acontecido.

—Você não tá usando drogas, né, Miguel?

Ela me perguntou, por um momento parando o que estava fazendo pra me encarar como uma mãe faria.

—Não. – Ri. – É só que... Não sei, como eu posso falar? São estranhas, mas de alguma forma estranha, são certas... Embora pareça errado.

Me enrolei todo a deixando mais confusa. Nem eu sabia direito o que estava falando e porque estava, mas não consegui me manter calado.

Era domingo, dois dias depois do episódio da sorveteria, e eu não parava de pensar naquilo. Nossas mãos. Por que nós fizemos aquilo? Ou melhor, por que eu deixei que aquilo acontecesse e ainda por cima tomei a iniciativa depois de ter recuado?

—Se são espontâneas é porque eram pra acontecer, e se eram pra acontecer, talvez não seja tão errado, filho.

Dona Lurdes comentou casualmente e me assustou por aquilo. Talvez não seja tão errado, ela disse. Mas será que se ela soubesse do que se tratava, ela não mudaria de opinião? Será que ela não contaria aos meus pais? Ainda mais se soubesse com quem eu estava andando.

Apenas concordei, simbolizando que tinha ouvido o que ela me disse, e acabando por dar fim naquele assunto, pois eu só estava me complicando. Ultimamente parecia que eu só vinha fazendo isso mesmo, também pudera, o que eu esperava? Eu deveria saber que ser amigo, nem sei se eu ainda posso falar que é só isso, do Rodrigo, ele sendo filho de quem é, logicamente me traria problemas.

Na hora do almoço, eu agradeci mentalmente – e com um sorriso – dona Lurdes por não ter me entregado e revelado aquela minha conversa estranha de mais cedo pros meus pais, pois eu realmente não saberia como explicar. Mas, infelizmente, eles perceberam que eu estava estranho:

—Tá tudo bem, Miguel? – Mamãe perguntou depois de um tempo e depois de me observar em silencio.

—Tá...tá.

—Problemas no colégio?

—Problemas com as garotas? – Meu pai também entrou na conversa.

Seria mais fácil falar com o garoto, pensei em silencio, apenas negando com a cabeça pros dois. Pedi licença pra abandonar a mesa e dessa vez fui pro meu quarto, me deitando e ligando o rádio em uma estação qualquer pra me distrair. Como se isso fosse funcionar!

Nada daria jeito na minha mente e pra onde ela me levava a cada cinco minutos. O fato era que eu estava... confuso. Isso! Essa era a palavra certa pra usar no momento. Eu estava perdidamente confuso com que tinha acontecido e ainda estava acontecendo.

Por Nossos FilhosWhere stories live. Discover now